Encheste a minha vida de amargura.
Encheste a minha vida de martírios.
Enchi a tua vida de ternura,
E vou encher o teu coval de lírios.
Dia 13
A sombra vai caindo lentamente.
Caindo, amortalhando devagar
A hóstia ensanguentada do poente!
Ouvem-se ao longe as fontes soluçar...
A aragem murmura docemente.
Há preces de novena pelo ar.
A natureza ás vezes também sente!
Há tardes em que o céu sabe chorar!
As velas assustadas, pela serra,
Pararam de moer, fitando a Terra!
Passa um enterro... «É nova, vai tão cedo!»
Falam magoas nos olhos de quem passa...
Anda no ar um vento de Desgraça!
Amor, as tuas mãos... eu tenho medo!
A vida é uma valsa...
Naquela valsa que dançamos, lenta e linda,
Num baile onde, ao acaso, um dia te encontrei,
Sem querer, fiz-te chorar. Eu lembro-me ainda!
Foi toda a minha vida... a valsa que dancei!
Senti a tua alma entrar dentro da minha;
E ouvi teu coração falar muito baixinho.
E ainda pressenti que a tua alma tinha
Anseios de contar soluços de carinho.
Sentindo as tuas mãos nas minhas a queimar,
Eu disse-te orações... e ouvi-te murmurar
Palavras que de cor meu peito diz ainda!
Vejo-te assim; juntinha a mim, de olhos fechados...
Eu sinto que nós dois andamos abraçados,
Dançando devagar, aquela valsa linda!
Fria
Que importa o teu olhar seja tão lindo,
E tenha a cor da luz que tem o dia?
Que importa o teu sorriso doce, infindo,
Se és fria, como a pedra, fria, fria!
Que importa esse teu corpo, se não sente!?
A alvura do teu colo sempre a arfar,
Se não tem o calor que dá á gente,
A força para viver e para amar?!
Amor, no teu olhar eu tenho lido aos poucos,
Anseios esquisitos, sonhos loucos...
E és fria como a louça em cemitério!
Envolta nesse manto de Beleza,
Quando olho dos teus olhos a frieza,
Eu quedo-me a cismar nesse mistério!
Teus olhos falam magoas...
Os teus olhos magoados dizem tanto!
Aos meus olhos, sem querer, têm contado
As magoas, os sorrisos, mais o pranto,
Que teus olhos magoados tem chorado.
Teus olhos magoados vão no berço
Do meu peito, e dormem de mansinho.
Teus olhos, Padre-Nossos são dum terço,
Contas de Amor, que eu rezo tão baixinho...
Teus olhos magoados são dois beijos.
São promessas, sonhos, são desejos...
E eu trago os olhos teus no coração.
São a luz da minha alma entristecida;
Teus olhos magoados são a Vida,
E o sol da minha vida também são!
Violetas roxas
Ainda tenho as florinhas inquietas,
Que beijaram teus seios pequeninos,
Através dessas rendas indiscretas,
Sob entremeios brancos e tão finos!
Flores que dos teus lábios coralinos
Ouviram confidencias tão secretas,
E que teus dedos brancos, peregrinos,
Deitaram fora... Pobres Violetas!
Perdidas pela sala e desatadas,
Encontrei-as, as pobres, requeimadas,
Ainda cheias desse teu encanto!
Mas lá estão inquietas e viçosas,
As que olharam teus seios vergonhosas...
Reviveram nas aguas do meu pranto.
A minha alma já morreu...
Eu não te disse, Amor? Minha alma já morreu
Cansada de esperar teus olhos num anseio!
Cansada de rezar baixinho o nome teu.
A noite era tão linda! E o teu olhar não veio!
E o teu olhar não trouxe a sombra dum carinho
Á minha pobre alma exausta de sofrer!
Luar! Tanto Luar havia no caminho...
E a luz do teu olhar não quis vê-la morrer!
O teu olhar matou-a! E não quiseste vir
Trazer-lhe uma grinalda branca do teu rir.
Ao menos murmurar baixinho uma oração!
Amor, sempre julguei que as tuas mãos pequenas,
Branquinhas como duas açucenas,
Viessem ajeitar minha alma no caixão!
Vendida
Vendeste a tua boca, aquela que beijara
Purinha e a sorrir, meus versos a chorar.
Vendeste as tuas mãos, febris que eu apertara,
E outrora já por mim se ergueram a rezar.
Vendeste o teu olhar, e o corpo airoso e lindo,
Enlevo do meu sonho, a luz do meu viver.
Vendeste o teu sorrir, sorriso doce, infindo...
Que fora para mim alivio de sofrer!
E nem sequer tens pena! És dele que te comprou!
Venderes a tua boca, aquela que beijou
Meus versos a chorar por ti numa paixão!
És minha? És dele? És minha á luz do sentimento!
Tu vives deste amor. É meu teu pensamento.
És minha! Não vendeste ainda o coração.
Um pecado
Silhueta do Amor, corpinho de ânfora, esguia!
Olhar sonhando a rir, promessas e desejos.
Brasa a queimar, a arder, acesa á luz do dia...
Boca tão linda... e boca virgem dos meus beijos!
És a esfinge da Graça! O sonho do Noivado!
Uma oração trazida á Terra, pela Virgem!
E és também ainda um misto do Pecado...
A figura do Amor na tela da Vertigem!
Tu sabes quem eu sou; e crê, quando te vejo,
Eu tenho a impressão do que seria um beijo,
Em frente do Senhor, á luz do coração!
Mas tu, sorris, e ris... e eu quedo-me a cismar,
Como seria bela a vida a recordar,
Um longo beijo teu Pecado, e Oração!
Envolta no "manto" das rosas vermelhas...
Hás-de ser minha, eu quero, é quanto basta!
Um dia, quando for, não o procuro.
E é o desejo ardente que me arrasta,
Aquele que há-de fazer vibrar-te, eu juro!
Um dia, quando for... hei-de deixar
Nos seios que tu tens, beijos aos molhos!
Nódoas de lírios roxos a sangrar...
E olheiras cor da noite nos teus olhos!
Não tenhas ilusões! Nunca a tua Raça
Me vencerá a mim por mais que faça!
Quero-te. Eu sinto a ânsia de beijar!
Queimada pelo fogo dos meus beijos
Hei-de sentir-te louca de desejos...
Um dia, quando for... sem eu te amar!
Na Praia-Mar do Sonho
Decerto tu já viste ao sol-poente,
O mar beijar a areia de mansinho.
Parado, a olha-la docemente,
Num grande sonho, louco, de carinho.
Depois é densa a treva. O mar é louco.
E briga com a areia, encapelado.
Embravecido cansa, e pouco a pouco,
Soluça a grande dor dum revoltado!
Assim, houve luar e noite escura,
Naquela doce noite de amargura,
Mistério indefinido que profundo!
Assim, é a tua alma para minha alma,
Ó minha maré-viva e maré-calma,
Do grande mar, da Dor em que me afundo!
A mascara loira
Ó minha viciosa, histérica e perversa,
De linhas sensuais; teu corpo eterizado,
Tem frases de requinte, em lúbrica conversa!
Tem lume de cigarro, loiro e opiado!
Teus olhos a boiar, são taças de absinto.
E a tua silhueta loira e desgrenhada,
Tem risos de cristais partidos, que eu bem sinto,
Em noites de volúpia, á luz da madrugada!
Á noite, as tuas mãos, são gumes de punhal,
Depois de terem morto alguém sem fazer mal...
Tua voz é o Fado... eu ouço-o quando passa!
No Mundo és o Drama, a Farsa, és a Comedia!
Ás vezes também és palhaço na Tragédia!
És a figura loira e linda da Desgraça!
Abandono
Decerto tu sentiste o abandono,
Que vai acompanhando o sol-poente,
Nas tardes tristes, lívidas, do Outono,
E quando chora o coração da gente!
Tardes pedindo ao sol a Extrema-unção,
Numa ânsia doentia de mais luz!
Decerto tu sentiste a sensação,
De ajoelhares em frente duma cruz!
Tu entraste á tarde na Igreja,
Á hora de rezares bendita seja,
A cor tão doentia do Outono!
Tudo sentiste... e os olhos rasos de água!
Que pena não sentires a minha magoa!
A vaga incompreensão deste abandono!
13 lírios
Atei-os com os fios de oiro daquela taça de
cristal «bohème» que partiste...
Encheste a minha vida de amargura.
Encheste a minha vida de martírios.
Enchi a tua vida de ternura,
E vou encher o teu coval de lírios.
São 13 os lírios roxos que levei.
Meus versos de saudade são para ti.
Amor, num dia 13 te encontrei!
Num dia 13, Amor, eu te perdi.
Meu doce Amor perdido... hei-de te ver,
Na luz que tem o céu amanhecer,
Na cor do sol-poente em que reparo!
E o nome que tiveste, ó loira e linda,
Que certa rosa branca fala ainda...
Será pela vida fora o meu amparo!
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