segunda-feira, 8 de junho de 2009

Almeida Garrett – Folhas Caídas

 

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I

Barca Bela

Pescador da barca bela,

Onde vais pescar com ela,

Que é tão bela,

Oh pescador?

 

Não vês que a última estrela

No céu nublado se vela?

Colhe a vela,

Oh pescador!

 

Deita o lanço com cautela,

Que a sereia canta bela…

Mas cautela,

Oh pescador!

 

Não se enrede a rede nela,

Que perdido é remo e vela

Só de vê-la,

Oh pescador.

 

Pescador da barca bela,

Inda é tempo, foge dela,

Foge dela,

Oh pescador!

 

II

A Coroa

 

Bem sei que é toda de flores

Essa coroa de amores

Que na frente vais cingir.

Mas é coroa – é reinado;

E a posto mais arriscado

Não se pode hoje subir.

 

Nesses reinos populosos

Os vassalos revoltosos

Tarde ou cedo dão a lei.

Quem há-de conter, domá-los,

Se são tantos os vassalos

E um só o pobre rei?

 

Não vejo, rainha bela,

Para fugir essa estrela

Que os reis persegue sem dó.

Mais que um meio – falo sério:

É pôr limites ao império

E ter um vassalo só.

 

III

Sina

Por todas quantas estrelas

Tem o céu que possam mais,

Pelas flores virginais

De que se c’roam donzelas,

Pelas lágrimas singelas

Que o primeiro amor derrama,

Por aquela etérea chama

Que a mão de Deus acendeu

E que na terra alumia

Quando há na terra do céu!

Por tudo quanto eu queria

Quando eu sabia querer,

E por tudo quanto eu cria

Quando me era dado crer!

Bem-fadada seja a vida

Que por estas folhas brancas

Sua história há-de escrever!

Que as dores lhes venham mancar

E com asas o prazer!

 

Esta sina que lhe dou,

Bruxa não na adivinhou,

Nem duende ma ensinou:

Li-a eu por meu condão

Em seus olhos inocentes,

Transparentes - transparentes

Até dentro do coração.

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IV

Ai, Helena!

Ai, Helena! de amante e de esposo

Já o nome te faz suspirar,

Já tua alma singela pressente

Esse fogo de amor delicioso

 

Que primeiro nos faz palpitar!…

Oh! não vás,donzelinha inocente,

Não te vás a esse engano entregar:

É amor que te ilude e te mente,

É amor que te há-de matar!

 

Quando o Sol nestes montes desertos

Deixa a luz derradeira apagar,

Com as trevas da noite que espanta

Vêm os anjos do Inferno encobertos

A sua vítima incauta afagar.

Doce é a voz que adormece a quebranta,

Mas a mão do traidor… faz gelar.

Treme, foge do amor que te encanta,

É amor que te há-de matar.

 

V

A Rosa – Um Suspiro

Se esta flor tão bela e pura,

Que apenas uma hora dura,

Tem pintado no matiz

O que o seu perfume diz,

Por certo na linda cor

Mostra um suspiro de amor:

Dos que eu chego a conhecer

É este o maior prazer.

E a rosa como um suspiro

Há-de ser; bem se discorre:

Tem na vida o mesmo giro,

É um gosto que nasce e – morrer.

 

VI

Retrato

(Num Álbum)

Ah! despreza o meu retrato

Que lhe eu queria aqui pôr!

Tem medo que lhe desfeie

O seu livro de primor?

Pois saiba que por despique

Eu sei também ser pintor:

Co esta pena por pincel,

E a tinta do meu tinteiro,

Vou fazer o seu retrato

Aqui já de corpo inteiro.

 

Vamos a isto. – Sentada

Na cadeira moyen-âge,

O cabelo en Châtelaines,

As mangas soltas. – É o traje.

 

Em longas pregas negras

Caia o veludo e arraste;

De si com desdém régio

Com o pezinho o afaste…

 

Nessa atitude! Está bem:

Agora mais um jeitinho;

A airosa cabeça a um lado

E o lindo pé no banquinho.

 

Aqui estão os contornos, são estes,

Nem Daguerre lhos tira melhor.

Este é o ar, esta a pose, eu lho juro,

E o trajar que lhe fica melhor.

 

Vamos agora ao difícil:

Tirar feição por feição;

Entendê-las, que é o ponto,

E dar-lhe a justa expressão.

 

Os olhos são cor da noite,

Da noite em seu começar,

Quando inda é jovem, incerta,

E o dia vem de acabar;

 

Têm uma luz que vai longe,

Que faz gosto de queimar:

É uma espécie de lume

Que serve só de abrasar.

 

Na boca há um sorriso amável.

Amável é… mas queria

Saber se é todo bondade

Ou se meio é zombaria.

 

Ninguém mo diz? O retrato

Incompleto ficará,

Que nestas duas feições

Todo o ser, toda a alma está.

 

Pois fiel  como um espelho

É tudo o que nele fiz;

E o que lhe falta – que é muito,

Também o espelho o não diz.

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VII

Lucinda

Ergue a frente, lírio,

Ergue a branca frente!

O astro do delírio

Já surgiu no Oriente.

 

Vês, o sol ardente

Lá caiu no mar;

A frente pendente

Ergue a respirar!

 

Alvo é o luar,

Teu alvor não cresta;

A hora de gozar,

De viver é esta.

 

Longa foi a sesta,

longo o teu dormir;

Ergue a branca testa,

Tempo é de surgir!

 

Já se abre a sorrir

Tua boca linda…

Despertar, sentir

Ou sonhas é ainda?

 

Sonho que não finda

Será o teu sonhar.

Se a dormir, Lucinda,

Te sentes amar.

 

VIII

As Duas Rosas

Sobre se era mais formosa

A vermelha ou branca rosa,

Ardeu séculos a guerra

Em Inglaterra.

 

Paz entre as duas, jamais!

Reinar ambas as rivais,

Também não; e uma ceder

Como há-de ser?

 

Faltei eu lá na Inglaterra

Para acabar com a guerra.

Ei-las aqui bem iguais,

Mas não rivais.

 

Atei-as em laço estreito:

Que artista fui, com que jeito!

E oh! que lindas são, que amores

As minhas flores!

 

Dirão que é cópia – bem sei:

Que todo inteiro o roubei

Meu pensamento brilhante

Do teu semblante…

 

Será. Mas se é tão belo

Que lhe dêem esse modelo,

Do meu quadro, na verdade,

tenho vaidade.

 

IX

Voz e aroma

 

A brisa voga no prado,

Perfume nem voz não tem;

Quem canta é o ramo agitado,

O aroma é da flor que vem.

 

A mim, tornem-me essas flores

Que uma a uma eu vi murchar,

Restituam-me os verdores

aos ramos que eu vi secar..

 

E em torrentes de harmonia

Minha alma se exalará,

Esta alma que muda e fria

Nem sabe se existe já.

 

X

Seus olhos

Seus olhos – Se eu sei pintar

O que os meus olhos cegou -

Não tinham luz de brilhar,

Era chama de queimar;

E o fogo que a ateou

Vivaz, eterno, divino,

Como facho do Destino.

 

Divino, eterno! – e suave

Ao mesmo tempo. mas grave

E de tão fatal poder,

Que, um só momento que a vi,

Queimar toda a alma senti…

Nem ficou mais de meu ser,

Senão a cinza em que ardi.

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XI

A Délia

Cuidas tu que a rosa chora,

Que é tamanho a sua dor,

Quando, já passada a aurora,

O Sol, ardente de amor,

Com seus beijos a devora?

- Fecho virgíneo pudor

O que inda é botão agora

E amanhã há-de ser flor;

Mas ela é rosa nesta hora,

Rosa no aroma e na cor.

 

- Para amanhã o prazer

Deixe o que amanhã viver.

Hoje, Délia, é nossa a vida;

Amanhã… o que há-de ser?

A hora de amor perdida

Quem sabe se há-de volver?

Não desperdices, querida,

A duvidar e a sofrer

O que é mal gasto da vida

Quando o não gasta o prazer.

 

XII

A Jovem Americana

Donde é que te eu vi, donzela,

E o que eras tu nesta vida

Quando não tinhas vestida

A forma de virgem bela

Que ora te vejo trajar?

 

Estrela foste no céu,

Serias no prado flor?

Ou, no diáfano ’splendor

De que Íris faz o seu véu,

Estavas, Silfa, a bordar?

 

Não houve poeta ainda

Que te não  visse e cantasse,

Nem pintor que a face linda

Te não fosse copiar.

Séculos tens. – E ah!… já sei

Quem és, quem foste e hás-de ser:

Bem te eu estava a conhecer

Quando primeiro te olhei

Sem te poder estranhar.

 

Com Deus e coa Liberdade

De nossas terras fugiste

Quando perdidos nos viste,

E te foste à soledade.

Do Novo Mundo acoitar.

 

Pois que ora piedosa vens

E nos sentes ressurgir,

Oh! não tornes a fugir,

Que melhor pátria não tens

Nem que mais te saiba amar.

 

Teu natal celebraremos

Hoje e sempre: teus amigos

Somos na lealdade antigos,

E no ardor novos seremos,

No desvelo em te adorar:

 

Porque tu és Ideal

Da só beleza – do Bem;

Não és estranha a ninguém,

E de ti só foge o mal

Que te não pode encarar.

 

XIII

Adeus, Mãe

Adeus, mãe! adeus, querida,

Que eu já não posso coa vida,

E os anjos chamam por mim.

Adeus, mãe, adeus!… Assim,

Junta os teus lábios aos meus,

E recebe o último adeus

Neste suspiro… Não chores,

Não chores: aquelas dores

Já sinto acalmar em mim.

Adeus, mãe, adeus!… Assim,

Junta os teus lábios aos meus…

Um beijo – um último… Adeus!

 

E o corpo desanimado

No colo da mãe caia:

E ela o corpo… só pesado,

Só mais pesado o sentia!

não se lembra, não chora

E quase a sorrir, dizia:

- Que tem este filho agora,

Que tanto pesa? Não posso… -

E uma a uma, osso por osso,

Com a mão trémula tenta

As mãozinhas descarnadas,

as faces cavas, mirradas,

A testa inda morna e lenta.

- Que febre, que febre! – diz;

E em tudo pensa a infeliz,

Tudo – menos que morreu.

 

Como nos gelos do Norte

o sono traidor da morte

Engana o desfalecido

Que imagina adormecer,

Assim cansado, esvaído

De tão longo padecer,

Já não há no coração

Da mãe força de sentir;

não tem já lume a razão

Senão s+o para a iludir.

 

Acorda, ó mãe desgraçada,

Que é tempo de despertar!

Anda ver a eça armada,

As luzes que ardem no altar.

Ouves? É a rouca toada

Dos padres a salmear!…

Vamos, que a hora é chegada,

É tempo de o amortalhar.

 

        E os anjos cantavam:

             - Aleluia!

       E os santos clamavam:

             - Hossana!

 

Ao triste cantar da Terra

Responde o cantar do Céu;

Todos lhe brandam: – Morreu!

E a todos o ouvido cerra.

 

E os sinos a tocar,

E os padres a rezar,

E ela ainda a acalentar

Nos braços o filho morto,

Que já não tem mais conforto,

Mais sossego neste mundo

Que o jazigo húmido e fundo

Onde há-de ir a sepultar.

 

Levai, ó anjos de Deus,

Levai essa dor aos Céus.

Com a alma do inocente

Aos pés do Juiz Clemente

Aí fique a santa dor

Rogando à Eterna Bondade

Que estenda a imensa piedade

A quantos pecam de amor.

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XIV

Ave, Maria!

Maria, doce mãe dos desvalidos,

    A Ti clamo, a Ti brado!

A Ti sobem, Senhora, os meus gemidos,

    A Ti o hino sagrado

Do coração de um pai voa, ó Maria,

    Pela filha inocente.

Com sua débil voz que balbucia,

    Piedosa Mãe clemente,

Ela já sabe, erguendo as mãos tenrinhas,

    Pedir ao Pai dos Céus

O pão de cada dia. As preces minhas

    Como irão ao meu Deus.

Ao meu Deus que é Teu Filho e tens nos braços,

    Se Tu, Mãe de piedade,

Me não tomas por teu? Oh! rompe os laços

    Da velha humanidade:

Despe de mim todo outro pensamento

    E vã tenção da Terra:

Outra glória, outro amor, outro contento

    De minha alma desterro.

Mãe, oh! Mãe, salva o filho que Te implora

    Pela filha querida.

De mais tenho vivido, e só agora

    Sei o preço da vida,

Desta vida, tão mal gasta e prezada

    Porque minha só era…

Salva-a, que a um santo amor está votada,

    Nele se regenera.

 

XV

Os Exilados

(Á Senhora Rossi-Caccia)

 

Eles tristes,das praias do desterro,

Os olhos longos e arrasados de água

Estendem para si… Cravado o ferro

Da saudade têm n’alma; e é negra mágoa

A que lhes rala os corações aflitos,

É a maior da vida – são proscritos,

 

Dor como outra não há, é a dor que os mata!

Dizer eu: «Essa terra é minha… minha,

Que nasci nela, que a servi, a ingrata!

Que lhe dei… dei por ela quando tinha,

Sangue, vida, saúde, os bens da sorte…

E ela, por galardão, me entrega à morte!»

 

Morte lenta e cruel – a de Ugolino!

Bem lhes quiseram dar…

Mas não será assim: sopro divino

De bondade e nobreza

Não o pode apagar

Nos corações da gente portuguesa

Esse rancor de fera

Que em almas negras, negro e vil impera.

 

Tu, génio da Harmonia,

Tu solta a voz em que triunfa a glória,

Com que suspira amor!

Bela de entusiasmo e de fervor,

Ergue-te, ó Rossi, tua voz nos guia:

A tua voz divina

Hoje um eco imortal deixa na história.

 

Indo no mar de Egino

Soa o hino de Alceu;

E atravessaram séculos

Os cantos de Tirteu.

Mais poderosa e válida

A tua voz será;

A tua voz não morrerá.

 

Nós no templo da pátria penduramos

Esta c’roa singela

Que de mitro e de rosas entrançamos

Para essa fronte bela:

Aqui, de voto, ficará pendente,

 

E um culto de saudade

Aqui, perenemente,

Lhe daremos no altar da Liberdade.

 

XVI

Preito

 

É lei do tempo, senhora,

Que ninguém domine agora

E todos queiram reinar.

Quanto vale nesta hora

Um vassalo bem sujeito,

Leal de homenage e preito

E fácil de governar?

 

Pois o tal sou eu, Senhora:

E aqui juro e firmo agora

Que a um despótico reinar

Me rendo todo nesta hora,

Que a liberdade sujeito…

não a reis! – outro é meu preito:

Anjos me hão-de governar.

 portugal

XVII

No Lumiar

 

Era um dia de Abril; a Primavera

Mostrava apenas seu virgíneo seio

entre a folhagem tenra; não vencera,

De todo. o Sol o misterioso enleio

Da névoa rara e fina que estendera

A manhã sobre as flores; o gorjeio

Das aves inda tímido e infantil…

    Era um dia de Abril.

E nós íamos lentos passeando

De vergel em vergel, no descuidado

Sossegado d’alma que se está lembrando

    Das lutas do passado,

Das vagas incertezas do provir.

e eu não cansava de admirar, de ouvir,

Porque era grande, um grande homem deveras

Aquele Duque – ali maior ainda,

Ali no seu Lumiar, entre as sinceras

Belezas desse parque, entre essas flores,

a qual mais bela e de mais longe vinda

    Esmalta de mil cores

Bosque, jardim, e as relvas tão mimosas,

Tão suaves ao pé – muito há cansado

De pisar alcatifas ambiciosas,

De tropeçar no perigoso estrado

    Das vaidades da terra.

E o velho Duque, o velho homem de estado,

    Ao falar dessa guerra

Distante – e das paixões da humanidade,

    Sorria malicioso

Daquele sorrir fina sem maldade,

Que tão seu era, que, entre desdenhoso

E benévolo, a quanto lhe saía

Dos lábios dava um cunho de nobreza,

    Da razão superior.

e então como ele a amava e lhe queria

A esta terra portuguesa!

Velha tinha a razão, velha a experiência,

    Jovem só esse amor.

 

Tão jovem, que inda cria, inda esperava,

Inda tinha a fé viva da inocência!…

    Eu, na força da vida,

Tristemente de mim me envergonhavas.

 

- Passeávamos assim, e em reflectiva

Meditação tranquila descuidados

Íamos sós, já sem falar, descendo

Por entre os velhos olmos tão copados,

Quando sentimos para nós crescendo

Rumor de vozes finas que zumbia

Como enxame de abelhas entre as flores,

E vimos, qual Diana entre os menores

astros do céu, a forma que se erguia,

Sobre todas gentil, dessa estrangeira

Que se esperava ali. Perfeita, inteira

No velho amável renascer a vida

E a graça fácil. Cuidei ver o antigo

O nobre Portugal que ressurgia

    No venerado amigo;

E na formosa dama que sorria,

    O génio da subida,

Raro e fina elegância que a nobreza,

O gosto, o amor do belo, o instinto da Arte

Reúne e faz irmãos em toda a parte;

    Que afere a grandeza

Pela medida só dos pensamentos,

Do ‘stilo de viver, dos sentimentos,

Tudo o mais fútil desprezando.

 

Pensei que a saudar o velho ilustre

    Em seus últimos dias

E a despedir-se, até Deus sabe quando,

de nossas praias tristes e sombrias,

Vinha esse génio… Tristes e sombrias,

que o sol lhe foge, lhe esmorece o lustre,

E onde tudo o que é alto vai baixando…

O triste, o que não tem já sol que o aqueça

Sou eu talvez – que, à míngua de fé, sinto

O cérebro gelar-me na cabeça

Porque no coração o fogo é extinto.

    Ele não era assim,

Ou sabia fingir melhor do que eu!

 

-Como o nobre corcel que envelheceu

Nas guerras, ao sentir o áureo telim

E as armas sobre o dorso descarnado,

Remoço o garbo, em juvenil meneio

    Franja de espuma o freio,

E honra os brasões da casa em que foi nado.

 

Nunca me há-de esquecer aquele dia!

Nem os olhos, as fala, e a sincera

admiração da bela dama inglesa

    Por tudo quanto via:

O fruto, a flor, o aroma, o sol que os gera,

E esta vivaz, veemente natureza,

    Toda de fogo e luz,

Que ama incessantemente, que de amor não cansa,

    E continua produz

Nos frutos o prazer, na flor a esp’rança.

 

ali as nações todas se juntaram,

Ali as várias línguas se falaram;

    A Europa convidada

Veio ao festim, ao preito.

Vassalagem rendida foi prestada

    Ao talento, à beleza.

A quanto n’alma infunde amor, respeito,

Porque é deveras grande: – que a grandeza

    Os homens não a dão;

    Pôe-na por sua mão

    Naqueles que são seus,

    Nos que escolheu - só Deus.

 

Oh! minha pobre terra, que saudades

Daquele dia! Como se me aperta

O coração no peito coas vaidades,

Coas misérias que aí vejo andar alerta,

À solta apregoando-se! N intriga,

Na traição, na calúnia é forte a liga,

É fraca em tudo o mais…

 

                            Tu, sossegado

Descansa no sepulcro; e cerra, cerra

Bem os olhos, amigo venerado,

Não vejas o que vai por nossa terra.

Eu fecho os meus, para trazer mais viva

    Na memória a tua imagem

E a dessa bela Inglesa que se esquiva

    De nós entre a folhagem

Dos bosques de Parténope. Cansado,

    Fito neste miragem

Os olhos d’alma, enquanto que arrastado,

    Vai o tardio pé

    Por este que inda é,

Que cedo não será, bem cedo – em mal!

    O velho Portugal!

 

XVIII

A Um Amigo

 

Fiel ao costume antigo,

Trago ao mau jovem amigo

Versos próprios deste dia.

E que de os ver tão singelos,

Tão simples como eu, não ria:

Qualquer os fará mais belos.

Ninguém tão d’alma os faria.

 

Que sobre a flor de seus anos

Soprem tarde os desenganos;

Que em torno os bafeje amor,

Amor da esposa querida,

Prolongando a doce vida

Fruto que sucede à flor.

 

Recebe este voto, amigo,

Que eu, fiel ao uso antigo,

Quis trazer-te neste dia

Em poucos versos singelos.

Qualquer os fará mais belos,

Ninguém tão d’alma os faria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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