Poesias
A. F. Castilho
Convite para a Felicidade
Ditoso, Júlia, Ditoso,
quem livre de inquietação
come os frutos que semeia,
e dorme no seu torrão;
que desconhece das cortes
intriga, esperança e receios,
que julga acabar-se o mundo,
onde acabam seus passeios.
Penúria e riqueza ignora,
dois escolhos da virtude,
e tira do seu trabalho
bens, prazer, vigor, saúde.
De iguais rodeado vive,
e só tem por superior
seu Criador no outro mundo,
na paróquia o seu pastor.
As aras jamais incensa
de Astreia, Minerva ou Marte,
mas Baco e Pomona e Ceres
lhe riem de toda a parte.
Mais apertado não vive
na avita cabana herdada,
que o rico em salões de estuque,
de alta, soberba fachada.
Em vez de jardins estéreis,
faz consistir seu prazer
em lhe à porta verdejarem
as couves que fez nascer.
Dorme em colmo um sono inteiro,
enquanto, em doirado leito,
o nobre se volve, e geme,
de aflição ralado o peito.
Ao lado lhe dorme a esposa,
fiel, inocente e bela;
o filhinho, imagem sua,
dorme em paz ao seio dela.
Se ela lhe diz: - Eu te adoro,
eu te amarei toda a vida! -
de ser verdade o que escuta
nem um momento duvida.
Sabe que a fé, que a virtude,
virtude pura, ilibada,
dons mais belos que a beleza,
são numes da sua amada.
Ela não vive no meio
da corrupta mocidade,
que adorna, envenena, empesta,
das cortes a sociedade.
Passa a noite ao pé do esposo,
entre os filhos passa o dia,
o trabalho a ocupa sempre:
ser infiel poderia?
Da sua família é toda,
nela concentra a afeição,
que as damas à intriga, às festas,
ao jogo, aos enfeites dão.
Quer-se ornar nos santos dias?
Não se assenta ao tocador
em vez de jóias brilhantes
procura singela flor.
Para arranjar seus cabelos,
nem corre ao cristal da fonte;
não carece de outro espelho,
tem seu consorte defronte.
Ele lhe ensina a maneira
por que lhe ficam melhor;
ele lhe diz em que sítio,
e como lhe ajusta a flor.
Se lhe agrada, está contente;
e vai de inocência cheia
entrar com ele nas festas,
nas festas simples da aldeia.
Ah, Júlia! Que sorte a de ambos!
Sem longas filosofias,
sabem melhor do que os sábios
desfrutar serenos dias.
Os princípios, os sistemas,
sonhos de estéril vaidade,
jamais tornaram ditosa
a mesquinha humanidade.
Se existe o bem sobre a terra,
se querer, Júlia, este bem,
uma aldeia... uma cabana...
ternura... inocência... Ah, vem!
Defesa de um Inconstante
Desterra teus vãos ciúmes,
festejo a quantas são belas
mas sempre a rainha delas
és tu, Armãnia cruel.
De teu semblante as lindezas
adoro noutros semblantes:
são meus passos inconstantes,
é meu coração fiel.
Não to nego, com Armia
falo às vezes em segredo;
não to nego, este arvoredo
viu-me com Lília brincar:
Porém com Lídia só brinco,
por ter nos brincos teus modos;
de Armía os segredos todos
os teus me fazem lembrar.
..........................................
Se a Ismene pedi cabelo,
foi só por também ser louro;
fui rico do teu tesouro,
sem o obter da tua mão.
Amo em Gertrúria o teu riso,
amo os teus olhos em Jónia,
preso nas cartas de Aónia
tua escrita e discrição.
Um só coração me coube,
e tu és a flor das belas!
Nem mesmo entre os braços delas
te fora infiel jamais.
Por distracção tenho às outras
vezes mil teu nome dado;
e até hoje ainda a teu lado
não tive enganos iguais!
Meu Pensamento amoroso
é qual Fovónio entre as flores,
que, a mil sussurrando amores,
elege a rosa entre mil;
Por todo um jardim baqueias,
mas guarda a afeição saudosa;
passa, e lembra-nos da rosa,
da rosa ingénua e gentil.
Quando mais julgas, ingrata,
perder a tua conquista,
tanto mais se aumenta a lista
dos teus triunfos sem par.
De meu coração te queixas
serem sem conto as rainhas!
São escravas, que não tinhas,
que vão teu carro puxar.
Dez Análias te abandono,
Jónias duas, seis Temires,
e após estas quantas vires
de semblante encantador.
Armãnia, sobre áreas rodas,
por tuas rivais tirada,
sobe, de mirto coroada,
ao Capitólio de amor!
Lá, sobre as aras do nume,
jura um prémio aos meus ardores.
Quanto amará teus favores
quem tanto os desdéns te amou!
Depois, sofre que ame sempre
em teu sexo a todos grato
os pedaços de um retrato
que a natureza quebrou.
Os treze anos
Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casei-me com
Pedro Gaiteiro.
Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao domingo
com as mais no terreiro.
Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.
Nos serões já canto ,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.
Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro.
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.
E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho com as patas
ao pé do salgueiro.
Miro-me nas águas,
risinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.
Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.
Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo moí outra
da que era primeiro.
O meu gibão largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás camacheiro.
Dizendo-lhe: «Toma
gibão, domingueiro,
de ilhoses de prata,
de arminho e cordeiro.
A mim já me aperta,
e a ti te é lace iro;
tu brincas com as outras,
e eu danço em terreiro».
Já não sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro.
Já não sou Anita,
sou a Ana do outeiro:
Madrinha, casei-me
com Pedro Gaiteiro.
Não quero o sargento,
que é muito guerreiro,
de barbas mui feras
e olhar sobranceiro.
O mineiro é velho;
não quero o mineiro:
Mais valem treze anos
que todo o dinheiro.
Tão-pouco me agrado
do pobre moleiro,
que vive na azenha
como um prisioneiro.
Marido pretendo
de humor galhofeiro,
que vive por festas,
que brilhe em terreiro.
Que em ele assomando
com o tamborileiro,
logo se alvorece
o lugar inteiro.
Que todos acorram
por velo primeiro,
e todos perguntem
se ainda é solteiro.
E eu sempre com ele,
romeira e romeiro,
vivendo de bodas,
bailando ao pandeiro.
Ai, vida de gostos!
Ai, céu verdadeiro!
Aí, Páscoa florida,
que dura ano inteiro!
Da parte, Madrinha,
de Deus vos requeiro:
Casei-me hoje mesmo com
Pedro Gaiteiro.
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