segunda-feira, 1 de junho de 2009

Poesias

A. F. Castilho

 

Convite para a Felicidadechariot-Thoth

Ditoso, Júlia, Ditoso,

quem livre de inquietação

come os frutos que semeia,

e dorme no seu torrão;

que desconhece das cortes

intriga, esperança e receios,

que julga acabar-se o mundo,

onde acabam seus passeios.

Penúria e riqueza ignora,

dois escolhos da virtude,

e tira do seu trabalho

bens, prazer, vigor, saúde.

De iguais rodeado vive,

e só tem por superior

seu Criador no outro mundo,

na paróquia o seu pastor.

As aras jamais incensa

de Astreia, Minerva ou Marte,

mas Baco e Pomona e Ceres

lhe riem de toda a parte.

Mais apertado não vive

na avita cabana herdada,

que o rico em salões de estuque,

de alta, soberba fachada.

Em vez de jardins estéreis,

faz consistir seu prazer

em lhe à porta verdejarem

as couves que fez nascer.

Dorme em colmo um sono inteiro,

enquanto, em doirado leito,

o nobre se volve, e geme,

de aflição ralado o peito.

Ao lado lhe dorme a esposa,

fiel, inocente e bela;

o filhinho, imagem sua,

dorme em paz ao seio dela.

Se ela lhe diz: - Eu te adoro,

eu te amarei toda a vida! -

de ser verdade o que escuta

nem um momento duvida.

Sabe que a fé, que a virtude,

virtude pura, ilibada,

dons mais belos que a beleza,

são numes da sua amada.

Ela não vive no meio

da corrupta mocidade,

que adorna, envenena, empesta,

das cortes a sociedade.

Passa a noite ao pé do esposo,

entre os filhos passa o dia,

o trabalho a ocupa sempre:

ser infiel poderia?

Da sua família é toda,

nela concentra a afeição,

que as damas à intriga, às festas,

ao jogo, aos enfeites dão.

Quer-se ornar nos santos dias?

Não se assenta ao tocador

em vez de jóias brilhantes

procura singela flor.

Para arranjar seus cabelos,

nem corre ao cristal da fonte;

não carece de outro espelho,

tem seu consorte defronte.

Ele lhe ensina a maneira

por que lhe ficam melhor;

ele lhe diz em que sítio,

e como lhe ajusta a flor.

Se lhe agrada, está contente;

e vai de inocência cheia

entrar com ele nas festas,

nas festas simples da aldeia.

Ah, Júlia! Que sorte a de ambos!

Sem longas filosofias,

sabem melhor do que os sábios

desfrutar serenos dias.

Os princípios, os sistemas,

sonhos de estéril vaidade,

jamais tornaram ditosa

a mesquinha humanidade.

Se existe o bem sobre a terra,

se querer, Júlia, este bem,

uma aldeia... uma cabana...

ternura... inocência... Ah, vem!

 

Defesa de um Inconstanteamcl171

Desterra teus vãos ciúmes,

festejo a quantas são belas

mas sempre a rainha delas

és tu, Armãnia cruel.

De teu semblante as lindezas

adoro noutros semblantes:

são meus passos inconstantes,

é meu coração fiel.

Não to nego, com Armia

falo às vezes em segredo;

não  to nego, este arvoredo

viu-me com Lília brincar:

Porém com Lídia só brinco,

por ter nos brincos teus modos;

de Armía os segredos todos

os teus me fazem lembrar.

..........................................

Se a Ismene pedi cabelo,

foi só por também ser louro;

fui rico do teu tesouro,

sem o obter da tua mão.

Amo em Gertrúria o teu riso,

amo os teus olhos em Jónia,

preso nas cartas de Aónia

tua escrita e discrição.

Um só coração me coube,

e tu és a flor das belas!

Nem mesmo entre os braços delas

te fora infiel jamais.

Por distracção tenho às outras

vezes mil teu nome dado;

e até hoje ainda a teu lado

não tive enganos iguais!

Meu Pensamento amoroso

é qual Fovónio entre as flores,

que, a mil sussurrando amores,

elege a rosa entre mil;

Por todo um jardim baqueias,

mas guarda a afeição saudosa;

passa, e lembra-nos da rosa,

da rosa ingénua e gentil.

Quando mais julgas, ingrata,

perder a tua conquista,

tanto mais se aumenta a lista

dos teus triunfos sem par.

De meu coração te queixas

serem sem conto as rainhas!

São escravas, que não tinhas,

que vão teu carro puxar.

Dez Análias te abandono,

Jónias duas, seis Temires,

e após estas quantas vires

de semblante encantador.

Armãnia, sobre áreas rodas,

por tuas rivais tirada,

sobe, de mirto coroada,

ao Capitólio de amor!

Lá, sobre as aras do nume,

jura um prémio aos meus ardores.

Quanto amará teus favores

quem tanto os desdéns te amou!

Depois, sofre que ame sempre

em teu sexo a todos grato

os pedaços de um retrato

que a natureza quebrou.

 

Os treze anospassarola

Já tenho treze anos,

que os fiz por Janeiro:

Madrinha, casei-me com

Pedro Gaiteiro.

Já sou mulherzinha,

já trago sombreiro,

já bailo ao domingo

com as mais no terreiro.

Já não sou Anita,

como era primeiro;

sou a Senhora Ana,

que mora no outeiro.

Nos serões já canto ,

nas feiras já feiro,

já não me dá beijos

qualquer passageiro.

Quando levo as patas,

e as deito ao ribeiro.

olho tudo à roda,

de cima do outeiro.

E só se não vejo

ninguém pelo arneiro,

me banho com as patas

ao pé do salgueiro.

Miro-me nas águas,

risinho trigueiro,

que mata de amores

a muito vaqueiro.

Miro-me, olhos pretos

e um riso fagueiro,

que diz a cantiga

que são cativeiro.

Em tudo, madrinha,

já por derradeiro

me vejo moí outra

da que era primeiro.

O meu gibão largo,

de arminho e cordeiro,

já o dei à neta

do Brás camacheiro.

Dizendo-lhe: «Toma

gibão, domingueiro,

de ilhoses de prata,

de arminho e cordeiro.

A mim já me aperta,

e a ti te é lace iro;

tu brincas com as outras,

e eu danço em terreiro».

Já não sou mulherzinha,

já trago sombreiro,

já tenho treze anos,

que os fiz por Janeiro.

Já não sou Anita,

sou a Ana do outeiro:

Madrinha, casei-me

com Pedro Gaiteiro.

Não quero o sargento,

que é muito guerreiro,

de barbas mui feras

e olhar sobranceiro.

O mineiro é velho;

não quero o mineiro:

Mais valem treze anos

que todo o dinheiro.

Tão-pouco me agrado

do pobre moleiro,

que vive na azenha

como um prisioneiro.

Marido pretendo

de humor galhofeiro,

que vive por festas,

que brilhe em terreiro.

Que em ele assomando

com o tamborileiro,

logo se alvorece

o lugar inteiro.

Que todos acorram

por velo primeiro,

e todos perguntem

se ainda é solteiro.

E eu sempre com ele,

romeira e romeiro,

vivendo de bodas,

bailando ao pandeiro.

Ai, vida de gostos!

Ai, céu verdadeiro!

Aí, Páscoa florida,

que dura ano inteiro!

Da parte, Madrinha,

de Deus vos requeiro:

Casei-me hoje mesmo com

Pedro Gaiteiro.

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