segunda-feira, 1 de junho de 2009

A. F. Castilho

 

POEMAS

 

Epigramasuntitled1143

 

Amigo, estou tão poeta

que em versos consumo o dia.

Tomara achar um remédio

que me curasse a mania.

Se querer gelar o estro,

isso está na tua mão:

Lê as odes de Filinto

e os sonetos do Garção.

 

II

Brevemente sai à luz

obra de um génio distinto:

Uma versão portuguesa

da Opera Omnia de Filinto.

 

III

Amigo, tive esta noite

negro, horrível pesadelo,

ainda ao lembrar-me dele

se me arrepia o cabelo.

Deus te livre, e livre a todos,

de sentir o que inda sinto:

Pois não sonhei que me liam

três páginas do Filinto?

 

IV

Exclamou certo avarento

a um que se ia enforcar:

«- Feliz homem, que três dias

Pôde comer sem gastar!».

 

V

André Pinto andar não pode,

manda médico chamar.

Chega o médico... Receita...

E André Pinto põe-se a andar!

 

 

 

Ode

 

A fonte fria do Buçaco131

Do cavernoso albergue, ao sol vedado,

sai, de relance ao menos,

ó alva ninfa, solitária e meiga,

da fria e clara fonte!

Quão bela deves ser, se a natureza,

ó náiade escondida,

a urna argêntea em tuas mãos confia

de tão formosas águas!

Ou pela aberta rocha ao menos lança,

a furto, os negros olhos;

e por entre o molhado e verde musgo

transluza o níveo rosto.

Vê com que esmero e pompa a natureza

adorna o teu retiro.

Olha estas grandes árvores, que apenas

sentem do vento os sopros.

Olha a mansa bacia, onde se espraia

tua água transparente.

Farto musgo a atavia, e musgo em torno gratos

assentos forma.

Olha, vê que nem Euros te perturbam

o teu cristal sereno,

nem gado, nem pastor, nem ave ou fera,

nem folha desprendida.

Com que rumor as águas, em saindo

do seu não fundo tanque,

descem, saltando em fugitivo arrolo,

pelo teu monte abaixo.

Castas sombras, pacifico retiro

tão velho como os montes,

?Sabeis que existe um deus com asas de ouro

que os corações inflama?

Não. Jamais entre vós ternos suspiros

que amor arranca aos peitos,

nunca maviosas queixas se escutaram

de corações escravos.

Aqui só reina a paz; vivem com ela

as austeras Virtudes:

É destes cumes solitários, tristes,

que o mundo se despreza.

Jamais humanos dextra em vossos troncos

gravou terna legenda:

Oh! Quem goza do pranto matutino

da aurora, em tais lugares?

?Quem é que ao pôr-do-sol daqui contemplo

o corado horizonte?

?Para quem solta o rouxinol em Maio

seus nocturnos gorjeios?

?Quem se aproveita do luar, que deve

as horrorosas sombras

romper aqui e ali nas tardas horas

Da noite sossegada?...

Ninguém. -?Porque juntaste estes encantos,

pródiga natureza?

Aqui não vem Glicera, ou Cloe, ou Dafne

toucar-se junto à fonte.

Nunca as graças gentis aqui vagaram;

nunca talvez um vate

se aproveitou dos mágicos delírio

que geram tais lugares.

Tu vives, pois, quieta em teu retiro,

rara vez procurada,

ó alva ninfa, solitária e meiga,

da fria e clara fonte.

Tenhas sempre, nas húmidas cavernas,

de águas alma abundância:

O ardente Junho, o túmido Janeiro

igual te vejam sempre.

E quando, gasta a rígida cadeia

donde o universo pende,

já sem ordem, sem leis, o velho mundo

cair solto em pedaços,

Então, antes que o caos as dispersas

relíquias engolfado

no horror medonho da segunda noite

houver, salva-te, ó ninfa,

Com teus vassalos, invisíveis génios;

transporta num momento,

inteiro, este lugar sobre algum monte

do aventurado Elísio.

Por ora, dorme em paz, meia encostada

sobre a urna argentina.

Aqui ninguém teu sono descansado

virá interromper-te.

Só na alta noite alguma vez, já quando

alto silêncio impera,

acordarás ao baque de algum tronco

dos anos carcomido,

Que farto de ver séculos, e curvo

já por mil tempestades,

desarreigado enfim cair no meio

da mata que te cerca.

 

 

Parábola

 

Eu, Antão Veríssimo e a moscapygmal

Eu tive um condiscípulo amantíssimo

que era um santo rapaz e nada cábula,

Transmontano, por nome Antão Veríssimo,

e, como eu, estudava para rábula.

Tinha por vil a herdade vida agrícola,

e rindo-se assinava na matrícula.

Sapato engraxadíssimo e meia fina

substituiu à tamanca costumada;

à vestia de burel capa e batina,

gorro chapéu, Pascoais à enxada,

a senhoria ao tu, à broa o trigo...

e um viver novo ao seu viver antigo.

Se o hábito per si fizesse o monge,

sem precisar disposições internas,

se para um coxo em pouco tempo ir longe

lhe bastasse o cuidar que tinha pernas,

sem dúvida seria Antão Veríssimo

estudante, e estudante chapadíssimo.

Como lavrando desmandava a mil,

supôs que estudar leis e sedar erva

seria o mesmo, não sabendo o nil

invita dices, faciesve Minerva,

e um cânon do Genovense (que diz muito!):

- Não tentes o que excede o teu bestunto.

Os termos de Pascoal e Cavalário

gastava a procurar o dia inteiro,

no mártir, descosido dicionário;

e à noite decorava ao candeeiro.

Ir à aula, almoçar, jantar, cear

só tinha vago: o mais era estudar.

Dizem que quem porfia mata caça;

julgo provérbio de cabeça tosca.

Vamos à história: um dia, na vidraça,

viu o nosso doutor assuada  mosca

esvoaçar, zunir, andar marrando,

passagem pelo vidro procurando.

Pôs de parte um momento a lei mental,

e, com os olhos no insecto, exclama assim:

«?Oh que teimoso e estúpida animal!

Embora teimes teimarás sem fim:

Por entre ti e o sol não vês que está

um vidro, que passagem te não dá?

Segue o exemplo das mais, que andam com gosto

a dançar sobre aquele açucareiro:

do amigo que ali dorme chucha o rosto,

depois esmói a andar no travesseiro.

Eu, que dormir fingia, e não dormia,

da tal oferta em troca assim dizia:

Deste à mosca um conselho prudentíssimo;

tão bons os dês tu sempre em sendo rábula!

Mas és qual frei Tomás, Antão Veríssimo,

ou como o homem da tranca na parábola.

Dez vidros furaria esse animal,

antes que entendas uma lei mental.

Entre ti e a ciência há vidros baços;

nem tu, nem cem de ti os romperiam:

Vende o candeeiro, a loba e os calhamaços,

torna-te às terras que batata criam.

É melhor ser um farto lavrador

do que um mirrado e estúpido doutor.

Manda ao inferno os livros sibilinos,

vem para a cama conversar comigo:

Do Horácio eu falarei, tu de pepinos,

depois eu de Vergílio, e tu de trigo.

Tire das leis com que dar o uso aos queixos

quem pode; e cada qual gire em seus eixos.»

Nesta fábula histórica se intima

o que ninguém ignora, e não se observa:

A tal sentença velha, obra mui prima

Do «nada faças, se o não quer Minerva».

Isto é, que um génio que nasceu de encolhas

não vá meter-se a redactor de folhas;

Que um mestre sapateiro, afreguesado,

não vá ser na tragédia actor primeiro,

que em transportes de príncipe ultrajado

ralhará como mestre sapateiro;

quem nasceu para chufas e chalaça

nem epopeias, nem tragédias faça:

Que aquele que nasceu para ladrão

seja ladrão de estrada e não juiz,

procurador, letrado ou escrivão;

que um bode se não meta a ser derviz,

Nem um burro a académico; nem... nem...

Exemplos disto número não têm.

 

 

 

 

Xácara

 

O Acalentar da Neta10069723_2e88120163

Dorme, dorme, minha neta,

senão não sou tua amiga;

dorme que eu te embalo o berço,

e te canto uma cantiga.

Vai a bela Dona Ausenda

caminho de Palestina,

leva traje de  romeiro,

com o seu bordão e esclavina.

Dona Ausenda. Dona Ausenda,

em sabendo que és fugida,

tua mãe cairá morta,

e tuas irmãs sem vida.

Pouco importa a Dona Ausenda

quem na Espanha morra ou viva;

vai em busca de sua alma,

que em palestina é cativa.

De lá lhe vieram cartas,

e uma carta lhe dizia:

«Teu amigo, Dona Ausenda

chora de noite e de dia.

As cadeias não lhe pesam,

pesa-lhe tu, porque cisma

que há-de morrer sem mais ver-te,

nem ver-te quer na Mourisma».

Dorme, dorme, minha neta,

e tu, fuso, fia, fia:

Eu canto à minha candeia,

ao pé da Virgem Maria.

Vendeu jóias e arrecadas,

comprou bordão e esclavina,

e trajada de romeiro

já demanda Palestina.

Vai pedindo pelas portas,

por sóis e chuvas caminha;

trabalhos não a quebrantam,

com eles vai mais asinha.

Uma tarde, era sol posto,

quando avistou uma ermida,

era de Nossa Senhora,

mãe dos homens se apelida.

Dorme, dorme, minha neta,

e tu, fuso, fia, fia:

Eu canto à minha candeia,

mercê da Virgem Maria.

Os socos descalça à porta,

e ajoelha com fé viva,

pedindo-lhe restitua

sua alma que jaz cativa.

Os olhos da Virgem Santa

deram mostras de afligida:

Ergueu-se um vento na serra

que toda tremeu a ermida.

Coitada de Dona Ausenda,

mais triste sai do que vinha:

Cerrou-se-lhe logo a noite;

!E ela nos bosques sozinha!

Queria andar, e não pôde,

que o grande escuro a tolhia;

necessitava encostar-se,

tinha medo, e não dormia.

Numa raiz pousa a face,

o corpo em folhas reclina,

com suas penas conversa,

coitada da peregrina!

Perdi a terra e o palácio,

perdi a mãe que lá tinha,

perco-me agora a mim mesma

e o que procurando vinha.

D. Giraldo, D. Giraldo,

só a fé não é perdida,

pois tu sabes que eu te adoro,

e eu sei como sou querida.

Peço ao meu anjo da guarda,

que vá levar-te por sonhos

esta minha despedida.

Assim dizia a formosa

Dona Ausenda de Molina,

e ao dizer anjo da guarda

lembrou-lhe a irmã pequenina.

Dorme, dorme, minha neta,

e tu, fuso, fia, fia:

Eu  canto à minha candeia,

e  sou da Virgem Maria.

Então dos olhos cansados

lhe borbotou a dor viva,

e ouviu folhas abanadas,

e viu uma luz esquiva.

Logo para aquela parte,

porque o pavor a conquista,

em joelhos, com mãos postas,

de relance estende a vista.

E viu uma sombra grande,

que mui devagar caminha;

quis rezar, benzeu-se errado,

não deu com a salve-rainha.

Dorme, dorme, minha neta,

e tu, fuso, fia, fia:

Eu canto à minha candeia,

guarda-me a Virgem Maria.

O andar do fantasma branco

nenhum ruído fazia;

parou, pôs nela os olhos,

mas eram terra, não via.figura%20proa%20dfernando

Estendeu-lhe os braços longos,

e com uma voz, como brisa,

lhe diz: «Eu sou D. Giraldo, que em mim já se não devisa.

Tu buscavas o cativo,

eu procuro a peregrina,

tua alma quer Deus que esteja

com o meu corpo em Palestina.

Os nossos anjos da guarda

deram palavras sem língua,

que à meia-noite aqui mesmo

findaria a nossa míngua.

Deus, à alma envia um corpo,

e ao corpo uma alma envia...»

Já estas finais palavras

Dona Ausenda não ouvia.

Dorme, dorme, minha neta,

e tu, fuso, fia, fia;

que eu canto ao pé da candeia,

que acendo à Virgem Maria.

Tinha dado a meia-noite,

e Dona Ausenda caíra:

Ai! Jaz morta a Dona Ausenda,

que tantas penas sentira!

?Quem há-de enterrar seu corpo

nessa noite desabrida,

ou quem aos pés da Senhora

a irá sepultar na ermida?

E a alma de D. Giraldo,

que tão solitária fica,

não terá padre que reze

o que por almas se aplica!

Mas nunca mais na floresta

nenhuma coisa foi vista.

Os que o sítio têm buscado

nunca lhe acharam a pista.

Dorme, dorme, minha neta,

e tu,fuso, fia, fia:

Eu canto à minha candeia,

e rezo à virgem Maria.

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