segunda-feira, 8 de junho de 2009

Manuel de Arriaga - Cantos

 

LIVRO PRIMEIRO

DEUS E A ALMA


I

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O QUE EU VI


Saí um dia a contemplar o mundo,
Por vir quanto há de belo e quanto brilha
Na múltipla e gloriosa maravilha,
Que anda suspensa em um azul profundo!
Vi montes, vales, arvores e flores,
Límpidas águas, murmuras torrentes,
Do grande mar as musicas plangentes,
Dos céus sem fim os trémulos fulgores!
Trouxe os olhos tão ricos de beleza,
O coração tão cheio de harmonia,
De quanto havia em terra, mar e céus,
Que interpretando a sós a Natureza:
Dentro de mim esplêndido fulgia,
Num circulo de luz, teu nome, oh Deus!

II


MUNDO INTERIOR


Matéria ou Força, Lei ou Divindade
Quem quer que seja que dirige o mundo,
Esparze em tudo o espírito fecundo
Do Sumo Bem - Beleza, Amor, Verdade.
Á luz desta Santíssima Trindade,
Cercado de esplendor, clamo e jucundo,
Sorri-me em volta o universo; ao fundo,
Por síntese Suprema, a Humanidade!
Dos homens rujam temporais medonhos...
Que em mim, no meu labor, do Bem sedento,
Meus dias correm límpidos, risonhos!
Estrelas que brilhais no firmamento!
É menos bela a vossa luz que os sonhos
Que gera na minha alma o Pensamento!

III


TRISTEZA

Como isto cá por fora é tudo alegre!
Quão belo o sol! que esplêndida harmonia
A terra, o mar e os céus!
Porem dentro de mim que mundo à parte!
Que embate de paixões! Que noite fúnebre!
Que magoas, Santo Deus!
Ai! se as manchas que o sol no rosto esconde
Têm sobre o mundo alguém onde projectem
A triste escuridão,
Minha alma é como o espelho onde Elias caem,
Tão profunda é a mágoa que me lavra
Aqui no coração!
E eu via á pouco o azul dum céu sem macula!
E o sol desta alma fulgurante e límpido
Banha-me todo em luz!
Porém, franqueza humana! eu próprio o obrigo
A alumiar-me com a luz da frouxa lâmpada
Dum templo de Jesus!...
Senhor! Senhor! que um teu olhar me alegre!
Que lave o pavimento de meu peito
De muita ideia vã,
Que o mal é como a noite, e o sol apaga-a
E transforma-a na prata, ouro e púrpura
Das nuvens da manhã!
Oh! tu tristeza, irmã dos desgraçados,
Que lanças no meu peito os ais plangentes
Desses gemidos teus!
Desprende da minha alma as asas negras,
E deixa entrar alegre a luz do dia,
A luz vinda dos céus!
E vós, filhos do sol, tribos inúmeras
Da família de Deus, plantas e flores
Insectos e animais,
Que engolfados nos gozos do Universo,
Nesse concerto imenso de harmonias,
Nos céus a Deus louvais:
Ah! venho-vos tomar por meus mentores,
Pois vale bem mais a luz do vosso instinto,
Que a luz desta razão,
Se eu não sei como vós viver contente,
Trazer o azul dos céus na consciência,
E a paz no coração!

IV


PRESENTIMENTOS

Eu bem sei que devia
Causar-te muito dó,
Em noite tão sombria
Veres-me aqui tão só!...
Nem sei que sol me alegra!
A sós com a minha cruz,
Sou como a nuvem negra
Que encerra muita luz!...
Como arvore sombria
Vergada sobre um vale,
Assim vivo hoje em dia
Á sombra do Ideal...
Que eu tenho muita fome
De Justiça e de Amor,
E aqui não a quem tome
A serio a minha dor...
O mundo vê e passa,
Como sempre passou,
Sorrindo da desgraça
Dos tristes como eu sou...
E este sonho dourado
De amor, que a gente vê,
Não pôde estar guardado
Nesses homens sem fé!...
Ah! não! já não me iludo
Foi isso o que supus;
Mas vi mudar-se em tudo
Em sombra a minha luz...
E os sonhos que já tive
Tão belos, afinal,
São hoje um céu que vive
Sobre este lamaçal!...
Um céu que vejo, ao longe,
Exposto aos olhos meus,
Com a mágoa com que um monge
Veria outrora a Deus!...
E onde há maior castigo,
Mais dura provação,
Que ter por inimigo
O homem nosso irmão,
Aquele a quem nós demos,
Com toda a candidez,
Os sonhos que hoje vemos
Desfeitos a seus pés?!...
Ah! supõe-me o desgosto,
De eu ver desaparecer
A cópia do meu rosto
Aos pés duma mulher,
E isto em desacato
Do meu mais santo amor:
E ai tens um retrato
Da minha imensa dor,
Quando vejo desfeito
Por gente ingrata e má
Um sonho do meu peito,
E muitos vi eu já!...
Por isso eu nesta vida,
Após tanta ilusão,
E tanta flor perdida,
Tanta coroa no chão...
Ai! sinto com o anseio,
Que é próprio do infeliz,
Um mal neste meu seio
Lançar muita raiz!...
Espero ver a morte,
Eu próprio a invoquei,
Levar-me desta sorte
Para onde?! É que eu não sei!...
Como eu não sei dizer-te,
E isto que me console,
Como é que se converte
Em vida a luz do sol!...
Como nasce a ventura
Do homem que morreu,
Dormir na sepultura
Para acordar no céu!...
Aqui tudo é mistério!...
Mas visto que assim é,
Onde há melhor critério
Que à luz da nossa fé?
E eu creio firmemente
Que o mártir de Jesus,
Não fica só pendente
Dos braços duma cruz...
Que o homem que prossegue
A luz dum Ideal;
Embora a turba o pregue
Na sua cruz fatal...
O céu é bem profundo,
O fundo nem tu vês,
E há nele muito mundo,
Para onde irá talvez!...
A vida continua,
E a alma, enquanto a mim,
Avança e não recua
Por esses sois sem fim!
Do sol se um raio ardente
No mar vier cair,
Em nuvem transparente
Nós vemos-o subir!
Não há suster-lhe o rumo
Que o leva para os céus,
E assim é que eu presumo
Voarmos nós a Deus!...
O ponto é merece-lo,
Que Deus é justo e pai,
E eu sei com que desvelo
A si os bons atrai!
Mas quando eu vejo a lua,
Não sei que ideia má
Nesta alma me insinua
A luz que nela há!...
Enquanto em torno dela,
Ao norte, ao leste, ao sul,
Refulge tanta estrela
Pela amplidão do azul,
Tu vê-a solitária,
Em paz cruzando o céu,
Como urna funerária
Dum mundo que morreu!.
Ali já não há vida!...
Ali não há calor!...
Naquela luz, vertida
Em lágrimas de dor,
Há só tristeza e luto,
E confrange-se e doi
O coração, se escuto
Mulher, porque isso foi!...
Ah, tenho medo
Que o Supremo Juiz
Nos julgue assim tão cedo!...
Não sei que voz mo diz...
Não sei... mas, se contemplo
Os crimes que aí vão,
Mulher, aquele exemplo
Conturba o coração!...
E assim só noutra parte
Verão os olhos meus
Os sonhos que reparte
Comigo a mão de Deus!...
O mundo onde abre o cardo
E o lírio ao mesmo sol;
Onde ama o leopardo
A par do rouxinol;
Que tem de andar na sombra
Para viver na luz;
E, o que inda mais me assombra,
Onde há Nero e Jesus:
Por mais belo e risonho
Que seja, ainda assim
Não vale qualquer sonho,
Que trago dentro em mim!...
Isto é um fraco esboço
Duma outra vida e crê,
Que sinto-a, mas não posso
Dizer-te onde Ela é!...
Se a Vida em nós começa,
Por esses sois de além,
Sobre a nossa cabeça.
Trabalha-se também!...
Mulher! mulher! quem sabe
Se é isto o que me atrai
Aos céus, pois, tanto cabe
A Deus, que é justo e pai...

V

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CONSCIENCIA

Para um homem que aspira
Ao ideal da Beleza,
Não há maior tristeza,
Mágoa maior não há,
Que ver escurecer-se-lhe
O céu da noite escura
De alguma ideia impura,
De alguma paixão má!
Paixão que muitas vezes
A luz da nossa Ideia
Acende, inflama, ateia,
E depois nos atrai
Com tanto magnetismo,
Com tal encantamento,
Que o homem num momento
Vacila, cega e cai!...
Cai, sim, do seio esplêndido
Do mundo onde vivia
Na mais doce harmonia
Em paz com os dias seus,
Para apagada a febre
Do seu fugaz delírio,
Achar-se com o martírio
De te perder oh! Deus!
Sem Ti, meu pai, que assombro!
Que noite tão completa!
Que acerba dor me inquieta
Meu frágil coração!...
Voltar a ver a alma
De esperanças povoada,
E acha-la transformada
Em lúgubre solidão!
Senhor! se desabassem
Á tua voz as belas
E límpidas estrelas
Dos céus que não têm fim,
Eu creio que assombrado
Do horrendo cataclismo,
O Sol, de além do abismo,
Seria igual a mim!
Eu lembraria a águia,
Que a prole ainda emplume
Deixando sobre o cume
De monte erguido ao céu,
A fosse achar de súbito
Na rocha alcantilada,
No ninho, fulminada
Dum raio que desceu!
Igual seria o quadro
Da minha consciência,
Ao ver a tua ausência
Fazer-se em mim, Senhor!
Que em volta do teu astro
Minha alma de poeta
É pálido planeta
Buscando o teu amor!
E eu sem ti nem vivo!...
Tu és, oh, doce esperança,
O seio onde descansa
Meu ser e afinal
Não sei até dizer-te
O quanto sofreria,
Se vira extinto um dia
Em mim, teu Ideal!
Oh não mil vezes antes
Em cárcere ermo e escuro,
Achar-me de futuro
A sós com a minha dor;
Extinta a luz dos olhos,
E as belezas do mundo,
E o céu azul profundo
Com todo o seu fulgor!
Tu crê que nem demandam
Os mundos inferiores
Focos de luz maiores,
Por esse infindo azul,
Como eu o eterno centro
Das leis da natureza,
Do Amor, e da Beleza,
Que são meu norte e sul!
Oh Pai! se nalgum dia,
Eu vir, numa miragem,
Alguma falsa imagem
Do Bem prender-me aqui:
Desvenda a tua face,
E mostra-me o teu seio,
Que, mesmo embora em meio
Do abismo, irei a ti!
Irei, tão instintivo,
Tão amoroso e firme,
Eu sinto a atrair-me
A ti o teu poder,
Que eu vejo em ti o Norte,
Para onde se encaminha
A pura essência minha,
Que sente, pensa e quer!
Irei vencendo, indómito,
Inúmeros atritos,
E escolhos infinitos,
E infindos escarcéus,
Como essa vaga enorme
Do mar que não recua,
Seguindo sempre a lua
Que vê passar nos céus!
Irei bem como a Terra
Seguindo eternamente
O rumo do oriente
A demandar a luz;
Bem como Jesus Cristo
O rumo solitário
Da senda do calvário
Á busca duma cruz!
Irei cá deste mundo
Onde tu me cedeste
A dadiva celeste
Da Razão e do Amor:
Raios vitais que mudam
Em luz a nossa essência,
E a luz em Consciência,
E esta em ti, Senhor!

VI


REVELLAÇÃO

O LAGO

Cismava um dia na cruel sentença
Com que a Igreja fulmina a raça humana,
Deixando impura a fonte donde emana
O sangue que me anima, e a alma que pensa:
E ao passarem no céu do meu destino
As nuvens da tristeza e da saudade,
Revelou-me o Senhor alta verdade,
Junto ás margens dum lago cristalino!
Isto foi pelo mês do abrir das flores,
Quando a vida celebra os seus noivados,
E o mundo, sob os verdes cortinados,
Parece um doce tálamo de amores!
Estava um dia esplêndido! a animar-lo
Eu via o seio azul do céu mais lindo
Curvar-se sobre mim, etéreo, infindo
E tépido: era um gosto enamora-lo!
Como fecho da abobada infinita,
O Sol nos céus, riquíssimo objecto,
Com barras de ouro irradiava o tecto
Do vasto pavilhão que o mundo habita!
Cores variadas, formas diferentes,
Num conjunto de graças sem igual,
Debuxavam-se ali ao natural
Sobre o cristal das ondas transparentes!
Alvas manchas de insectos pequeninos,
Envolvendo-se em giros caprichosos,
Como tribos de povos venturosos,
Fruíam junto ao lago os seus destinos!
Pelas balsas cantava a toutinegra,
E as rolas modulavam doces coros,
No ar passavam frémitos sonoros
Com as vibrações da Luz que o mundo alegra!
No lago, a planta, a flor, o céu, a terra,
Como notas duma única harmonia,
Revelaram-me há plena luz do dia,
Enlevos que o prazer da vida encerra!...
E eu via tudo, e extático cismava:
Se por ventura a cólera divina,
Segundo a Igreja ao mundo inteiro o ensina,
Do grémio dos felizes me afastava!...
E não podendo crer, embora obscuro
Ver-me qual sou, que esta alma de poeta,
De tanto sonho esplêndido repleta,
Atolada estivesse em lodo impuro...
Ai! quando a Deus pergunto se prendeu
Num pó que é vil o espírito divino,
Olho o espelho do lago cristalino
E não encontro o lago: encontro o céu!
O mesmo que era em cima azul, imenso,
E a lâmpada brilhante que o alumia,
Lá no fundo do abismo aos pés os via,
De sorte que em dois céus era suspenso!
E quanto se ostentava em torno ao lago,
Os muros de verdura, a flor mimosa,
O deslizar da nuvem vaporosa,
E ao voltear do insecto incerto e vago:
Outro tanto animava, ao longe, e ao perto,
Aquela região de azul vestida,
Onde a minha alma, em êxtase embebida,
Contemplava na Terra um céu aberto!
E enquanto extasiado a sós fitava,
Nas belezas do lago transparente,
Aqui uma flor, além, para o poente,
A nuvenzinha branca que passava,...
Eis senão quando, uma ave, porque visse
Insectos junto da água sossegada,
Desceu subtil, aérea e delicada,
E ao perpassar roçou-lhe a superfície,...
O ponto ferido, em ondas borbulhando,
Desabrochou em curvas graciosas,
Como as folhas concêntricas das rosas,
Ou luzidias cobras imitando!
E enquanto o impulso em torno se propaga
Em círculos risonhos: num momento,
Toda a cúpula azul do firmamento
Oscila, treme e cai, e o Sol se apaga,
E a arvore, e a flor, e quanto junto à margem,
Em doce paz, seu rosto reflectia
No cristalino espelho, por magia
Da lei do amor, a doce lei da imagem!...
Fere-me então bem intima tristeza,
Ao ver aos pés, em sórdido tumulto,
Um limbo verde e escuro onde oculto
Estava um céu tão rico de beleza!...
Lembrei-me então da minha vida insana,
De quanto sonho lindo anda desfeito
Nos íntimos arcanos do meu peito,
Com o tropel das paixões da vida humana!...
E as lágrimas caíram-me uma a uma
Sobre esses bens que a Terra e os céus inspiram,
E ao contacto das coisas se extinguiram
Como aéreos balões feitos de espuma!
Nisto o Senhor, que tudo vê e ampara,
Converte-me de novo o charco imundo
Num céu azul infindo, e nele um mundo
Formoso como os bens que imaginara!...
Cismei então por longo espaço e digo,
Que aos olhos meus por Deus fora patente:
Que a alma humana pôde, ingénua e crente,
Vivendo em paz, um céu trazer consigo!
Ah muito embora a dor seu peito oprima,
O espírito, que abrange o mundo inteiro,
Pôde ver, quanto justo e verdadeiro,
Nos seios de alma os céus que estão por cima!
Máxima grande, máxima tamanha,
Tão repassada de intima poesia,
Porventura de igual sabedoria
Á predica de Cristo na montanha,
Ah! sê, por entre as sombras da desdita,
A ponte aérea, o arco da aliança,
Que, em vez da excomunhão que a Igreja lança,
A Deus eleva a Humanidade aflita!

VII

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MISSA PONTIFICAL

UM EVANGELHO

Saí uma manhã mal vinha o sol rompendo,
E fui-me religioso a ouvir a missa ao campo,
Á vasta catedral do mundo, aonde aprendo
Da Vida as sacras leis, que em letras de ouro estampo.
Sentei-me sob um bosque extenso e solitário,
Que, em paz e sombra envolto, à quietação me envida;
O acaso conduzira-me a um vasto santuário,
Onde ia celebrar-se a comunhão da Vida!
Debaixo do dossel da murmura floresta,
Se um culto universal é justo a Deus se vote:
Estava o templo augusto armado todo em festa,
Faltando unicamente agora o sacerdote!
O mundo em redor aguardo-o com ansiedade...
E hei-lo que chega, enfim, das bandas do oriente,
Surgindo como um Deus no azul da imensidade,
Num carro triunfal, de raios resplendente!
Ao ver-lo perpassou nas arvores sagradas
Um sopro misterioso, o espírito do vento,
Que deixa-nos ouvir, em musicas toadas,
Salmos que vão morrer no azul do firmamento!...
Nos múltiplos florões das trémulas janelas,
Nos ramos mais subtis que a luz dos céus colora,
Com magico fulgor cintilam, como estrelas,
Os límpidos cristais das lágrimas da aurora!
Nas naves, que sustêm a abobada elevada,
Penetra triunfante a luz, suprema artífice!
Interprete de Deus, celebra a sua entrada
Com pompas, do Universo o máximo pontífice!
Assim que o sol saiu das brumas do horizonte,
A pedra, o musgo, o insecto, a flor, os arvoredos,
Trocaram entre si mil íntimos segredos!...
Os pássaros gentis, aladas criaturas,
Soltaram festivais Hossana nas alturas!...
O sol triunfador, do mundo a vida acorda,
E esplêndido festeja o eterno sursum corda!...
Estava em plena festa a Terra, mãe querida!...
E eu, em face dela, a contemplar-lhe a Vida!...
Então a Luz, qual flor, subtil e sorridente,
Me disse a mim que sou seu terno confidente:
Poeta! vês o mundo alegre e harmonioso;...
Em intimo convívio unido o sol à terra,
E a terra e o sol aos céus!... No enlace auspicioso,
Permutam entre si os bens que a Vida encerra!...
A vida é sim um Bem; por isso é dada a todos!...
A todos por igual, a infindas criaturas,...
Que, em múltiplo labor, e por diferentes modos,
Procuram-no atingir na terra, e nas alturas!...
Aquele que transpõe as portas da existência
Um vinculo de amor protege-o logo, e fica
Ao mundo inteiro preso, em mutua dependência,
Ah desde a larva obscura ao sol que a vivifica!..
Qualquer que seja o nome, ou chama-lhe Verdade,
Beleza, Amor, Justiça: é tudo a mesma Coisa!...
É quem fecunda e rege os sóis na imensidade;
Quem dá ao universo a paz em que repousa!...
Por isto o mundo inteiro é todo uma harmonia!...
E sente a reanimar-lo uma alma alegre e sã!
E vens de longe aqui, sedento de poesia,
A namorar-me a mim, que sou a tua irmã!
Do Sol baixei aqui a ler-te os evangelhos
Eternos de Verdade, e a missa vai findar!
Meu crente e meu poeta! é a hora: de joelhos,
Em nome do Senhor, te quero abençoar!
Á sua voz curvando a fronte: em fé imerso,
Senti entrar-me na alma a alma do universo!...
Irmã, gémea de minha, a luminosa flor,
Encerra-se afinal nesta palavra: Amor!

VIII


AVÉ CREATOR!

Desprende pelo espaço as asas de ouro,
Águia de Deus, no mundo extraviada!...
Pela pátria celeste, a tua amada,
Vai em busca de Deus,
Cantando um hino em honra do seu nome,
Que meu querer e instinto insaciável
Te guiarão, qual bússola admirável,
Pelos infindos céus!
Senhor! venho invocar teu nome augusto,
Em face destes vastos horizontes!...
Que em torno a mim o rio, a árvore, os montes,
Falando-me de Ti,
Lançam-me na alma um teu olhar divino,
E, com ele, um oceano de luz pura,
Que me transborda em ondas de ventura
O que eu te ofereço aqui!
Não sob o tecto do sombrio templo,
Que a fé cristã do povo erguera outrora
Como um tumulo, onde o homem comemora
A tua morte, oh Pai!...
Mas sob o tecto azul do Templo Eterno,
Perante o sol que passa dando a vida
Em teu nome, que esta oração sentida
Buscar teu trono vai!
Pois é me triste a mim que as coisas brutas,
Elas, sem alma, em gratidão me vençam:
E a Terra, enquanto o Sol lhe envia a benzam
Da sua eterna luz,
Converte-a em flores, cânticos e frutos,
E, num concerto alegre e harmonioso,
Tributa ao Sol um culto tão piedoso,
Que o peito meu seduz!
Tu vê-la, quando o Sol lhe afasta os raios
Do seu formoso olhar durante o inverno,
A amante debulhar-se em pranto eterno,
Das galhas se despir;
Em vale e monte as folhas, com tristeza,
Dos troncos com os ventos desprendendo-se,
E o mar, com os céus em luta contorcendo-se,
Raivoso aos céus bramir!...
Mas quando o Sol de novo a aquece e anima:
Oh que eflúvios de amor então contemplo!...
Traz o amante a aleluia ao escuro templo,
E as trevas dão fulgor;
Espalma a folha o ramo ressequido,
E, ao som do mar que canta de mansinho,
Da terra brota a flor, da haste o ninho,
Do ninho surge o amor!
Seja assim o meu peito! Que a minha alma,
Buscando o foco eterno e resplendente
Do Sol dos sóis, o Ser Omnipotente:
Me eleve o coração
A transbordar torrentes de harmonias,
Que entoem pela voz das criaturas:
Santo! Santo! três vezes nas alturas,
Ao Deus da criação!
Pois eu que sou o espírito das coisas,
O verbo inspirador, a alma, a vida;
Sinto em meu peito a gratidão devida
Á tua mão que atrai
Em giro eterno os mundos do Universo;
E eu vendo orar ao Sol a flor no mato,
Não hei de só ficar injusto e ingrato
Para contigo, oh Pai!
Seja pois o meu canto a voz do interprete,
Que moldando nas formas da palavra
A vida universal que em tudo lavra
Com o sopro animador:
Eu possa ver a Terra envolta em cânticos,
Sobre as asas de luz da alma humana,
Remontar-se ás origens de onde emana,
As tuas mãos, Senhor!

IX


SURSUM CORDA!

Oh Sol, alma do mundo! esplêndido portento
Dum mar feito da luz! vulcão, cuja fornalha,
Por entre um fogo eterno, expande o movimento
Da maquina febril do mundo que trabalha!
E tu, Astro do amor, que, em noite silenciosa,
Qual pérola engastada em fúlgidos brilhantes,
Derramas tua luz serena e voluptuosa
Nos seios virginais das tímidas amantes:
Com os vossos esplendores,
Pela amplidão dos céus,
Cantai altos louvores
Ao espírito de Deus!
E tu, mar rugidor! austero cenobita,
Que em vastas solidões gemendo os teus pesares,
Levantas o teu canto à abobada infinita,
Juntando a voz piedosa aos celsos cantares!
E vós, filhas do ermo, alegres, cristalinas
Fontes que derivais das fendas dos rochedos,
Ás flores murmurando, em musicas divinas,
De amor e de ventura uns íntimos segredos:
Mudai as harmonias
Da vossa eterna voz
Em ternas homilias
Ao pai de todos nós!
Arvores que flutuais nos cimos das montanhas,
Altivas demandando o azul do firmamento;
Que encheis as solidões de musicas estranhas,
Se passa sobre vós o espírito do vento!
Lírios, que abrindo o seio ao osculo amoroso
Da luz que envia o sol da abobada azulada,
Mandais-lhe o vosso honor no éter luminoso,
Como o habito subtil duma alma enamorada:
A musica e o perfume
Que desprendeis, votai
A quem em si resume
O mundo inteiro e é Pai!
Oh rábidos leões! lá quando em vossas festas,
Altivos como os reis, indómitos senhores,
Debaixo do dossel das murmuras florestas,
Rugis como um trovão os fervidos amores!
E vós, corças gentis e tímidos cordeiros,
Que em vossos corações e almas bem formadas,
Ao sangue preferis a esmiúça dos ribeiros,
E à carne em podridão as ervas perfumadas:
Louvai a quem fizera,
Com o mesmo engenho e amor,
As fauces duma fera,
E o cálice duma flor!
Arvores, flores, mar, e estrelas, e animais,
E todos vós que entrais no giro da existência;
Que haveis nas regiões das coisas imortais,
Por síntese suprema, a luz da consciência:
Unindo-vos a mim, como eu à Humanidade,
Louvemos todos nós numa oração sentida,
Em coro festival que atinja a imensidade,
O eterno Sol dos Sois, o sábio Autor da Vida!
Cantemos, criaturas!
Pela amplidão dos céus,
Hossana nas alturas
Ao espírito de Deus!

X


AOS CATÓLICOS

Todos vós que sois sinceros crentes,
Que orais a Deus no intimo do peito,
Oh místicos cristãos;
Embora tenha crenças diferentes
Daquelas que seguis, eu vos respeito,
E julgo como irmãos!
Eu amo a Deus; depois a Humanidade;
Depois os bons, e destes o primeiro,
É Cristo, o Redentor!
Não sendo igual em tudo à Divindade,
É, como justo e homem verdadeiro,
Meu mestre e meu mentor!
Embora por fanático me tomem
Ímpios e ateus, se os há, eu lhes confesso,
Que o Mártir da Paixão
Parece-me tão grande como homem,
Que até sinto vertigens quando meço
Seu terno coração!...
Oh meu Jesus! nas lutas pela vida,
Por onde tanto naufrago falece
No meio da viagem:
Minha alma sofredora e dolorida,
Cairia também se não tivesse
A tua doce imagem!...
Eu que creio que o facho da ciência
Nos há de revelar, ao fim de tudo,
Que em nós se concilia
Razão e Fé, Justiça e Consciência:
Ah quero-te Jesus! por meu escudo,
Por meu amparo e guia!

XI


FÉ E RAZÃO

A CRUZ E O PÁRA-RAIOS

Da velha catedral, esbelta e rendilhada,
Votada a ser mansão do Deus, autor do mundo,
Na flecha a mais gentil, campeia abençoada
A cruz do Redentor, da Galileia o oriundo!
Nos ímpetos da fé, cortantes como a espada,
O ungido do Senhor, de olhar cavo e iracundo,
Aponta à multidão, humilde e ajoelhada,
Por seu supremo amparo a cruz, no azul profundo!
Em nome dela exalta a fé porque a aviventa,
E diz mal da razão que tenta, em vãos ensaios,
Dos céus arrebatar a luz, de que é sedenta!
Mas do alto onde Ela está, que causa até desmaios,
Temendo que a derrube o fogo da tormenta:
Em nome da Razão lhe põe um pára-raios!...

XII

 

AMOR E PROVIDÊNCIA

Em quanto eu, alta noite, velo e lido,
Por vós mantendo inúmeros cuidados,
Dormis, caros filhinhos, sossegados
Em torno a mim o sonho apetecido!
Dormis?! sonhais de certo... e eu pai envido
Meus esforços por ver realizados
Vossos sonhos gentis e perfumados:
Ampara-vos um peito estremecido.
Outro Alguém faz por nós o que eu vos faço:
Com suprema bondade e sapiência,
Rege os mundos que rolam pelo espaço!
Esse Alguém é o Amor por excelência,
O formidável e invisível braço,
E o olhar que nunca dorme: a Providência!

XIII

atrasdaolveira

Á GUERRA!

O QUE EU SINTO...

Se vejo com pavor as lutas carniceiras
Que empenham as nações, chamadas as primeiras,
Nos campos da batalha,
Ah! quando a sós comigo e o Eterno me concentro,
Ouço não sei que voz a mim bradar cá dentro:
É Deus que ali trabalha!
Por mais que ousado voo aos céus a águia eleve,
Nos céus a um limite além do qual em breve
Falece a asa e tais
Como as águias os reis!... Subiram, mas solene.
O dia a de chegar em que Deus os condene
E brade-lhes: Não mais!
No chão não há raiz que diga à Terra: estanca
A seiva que me dás! Nem águia ou pomba branca
Que enjeite o voo alado!...
Não a um lavrador que entaipe em cal e pedra
A fonte de cristal, de cujas aguas medra
A árvore, a flor, o prado!...
E onde há no mundo um povo a outro povo estranho?!...
Ou ódio figadal, intrínseco, tamanho
Que a todos nos divida?!
Se a Terra, o mar profundo e o próprio sol são pouco
Por darem vida a um lírio: haverá hoje um louco
Dum César que decida,
De encontro ás sabias leis por Deus dadas ao mundo,
Que um homem, cujo peito infinito e profundo
Abrange a Terra e os Céus,
Guerreie o próprio irmão que é dele a própria essência,
A luz, o ar, a vida, a força, a providência,
Que deste-lhe, meu Deus?!
Oh não!... Tu mandarás o dia em que a Justiça
Obrigue-os a expiar com fronte submissa
Dos crimes o estendal
Que encheu de sangue e horror as paginas da Historia,
Servindo de lição, ficando por memoria,
Em prol do teu Ideal!...
E o mundo há-de voltar à fonte de onde veio,
E ser todo ele amor, justiça e paz!... Já leio
Sinais de nova Luz!...
As crenças do Passado estando já em terra,
Vem prestes a surgir a nova Lei que encerra
Os sonhos de Jesus!...
E eu beijo e adoro a mão que impele e rege o mundo,
Que deu a flor ao campo; os sóis ao firmamento,
E o espírito divino
Aos nossos corações! Que a toda a criatura,
Á flor que desabrocha, ao astro que fulgura,
A todos deu destino!
Por isso eu neste mar, sobre este chão de abrolhos,
Por onde cai amaro o pranto dos meus olhos,
De fito no Senhor,
De fito no Ideal, minha alma não se inquieta:
Confia e sobe a Deus, é como a borboleta
Que vai poisar na flor!

XIV


Á PAZ DOS POVOS

HOMO, EX HOMINIS LUPO, HOMINIS COOPERATOR

De lobo te foi dado outrora o nome,
Lobo que a própria espécie devastava
Cruento e fero, qual não viras nunca
Leões, panteras, tigres ou chacais!...
E a fera, quando a fome
A incita, é quando crava
O dente e a garra adunca
Nos míseros mortais.
Da massa do teu cérebro colhendo
A luz consciente e pura das ideias,
Concebes mil engenhos homicidas,
Inventos de infernal destruição!
Com eles, monstro horrendo!
Há séculos semeias,
Em guerras fratricidas,
A morte e a assolação!...
Mas como as forças cósmicas da Terra
Cessaram suas lutas de gigantes,
Trazendo à luz do Sol, de amor sedenta,
Dois mundos revestidos de esplendor,
O mineral que encerra
Os fúlgidos brilhantes;
E o vegetal que ostenta
O olhar gentil das flores:
Assim as mil paixões que a tanto custo
Contem teu peito e o rubro sangue agita,
Por ultimo hão de ter a vida calma
Que impõe por norma a tudo a Providência;
E o Belo, o Bom e o Justo,
Na sua acção bendita,
Levar-te aos seios da alma
A paz da consciência!
Do sol os raios que dão vida ao globo;
Da vida a força múltipla que actua
Em prol de cada qual, para que tomem
Quinhão no Bem, que é dado como a luz:
Reclamam nos que o Lobo,
Da historia se destrua,
E dê lugar ao homem
Sonhado por Jesus!
Se o caos do teu peito foi sequência
Do caos primitivo da natura:
Terá também destino igual ao deste;
Dará um quarto mundo, o da Verdade!...
O da alma, cuja essência
Incorruptível, pura,
Procria a luz celeste
Do Bem, na Humanidade!
Ver-te-ás então qual Semideus Consciente!
O sangue que percorre em tuas veias,
Origem dando a fúlgidas doutrinas,
Ás nítidas noções das coisas belas:
Tua alma um resplendente
Santuário, onde as ideias
Serão luzes divinas,
Mais puras que as estrelas!
Antítese da Vida do Passado,
Compete-te integrar na Terra os Povos;
E, chave do vastíssimo problema
Da Vida humana: honrando o Redentor,
Nos céus tem Deus traçado
Aos teus destinos novos,
Por síntese suprema,
A Paz, o Bem, o Amor!

XV


AO HOMEM

Segundo as tradições que vão sumir-se
Na noite secular das priscas eras:
Rugiram contra ti, Homem, as feras,
E as cóleras do mar;
Dos céus revoltos os trovões e os raios;
Qual réprobo vivias no universo
Inerme, nu e só, na sombra imerso,
Sem Deus, sem luz, sem lar!...
Após infindos séculos de luta
com as forças implacáveis da matéria,
Sofrendo, em toda a escala da miséria,
O frio, a fome, a dor:
Venceste, e opões ás lúgubres cavernas,
Á escura habitação dos trogloditas,
Os fúlgidos palácios onde habitas,
Cônscio do teu valor!...
Impérios contra ti ergueram déspotas,
Quais moles colossais arquitectadas,
Assentes no prestigio das espadas,
Nas mãos dum Faraó,
Dum hábil Júlio César; mas as moles,
Minadas pela acção do povo obscuro,
Caíram como cai um frágil muro
No chão desfeito em pó!...
No intuito de livrar teu grande espírito
Dos vínculos do mal e enobrece-o,
Tomas-te a Jesus Cristo por modelo
Das tuas concepções;
De acordo com a espada e a cruz, a lei e o dogma,
De ti fizeram novamente escravo,
Mas tu, inda outra vez, altivo e bravo,
Partiste os teus grilhões!...
Por ultimo lançando mão das forças
Da Terra tua mãe, das leis da Historia:
Apenas em três séculos de gloria,
Com mil prodígios teus,
Mudas-te totalmente a face ao mundo,
E propões-te a fazer o mesmo à alma,
Porque esta, resplendente, justa e calma,
Triunfe à luz dos céus!
Forjou a mão de Deus no sol teus raios!...
Daí todo o esplendor, todo o prestigio
Do teu alço poder! o grão prodígio
Das tuas concepções,
Que em mármore e cristal, em prata e ouro,
E em telas formosíssimas, transmites
De mão em mão, sem conta, e sem limites,
Ás novas gerações!...
Na terra, erma de Luz, Homem surgiste,
Trazendo no teu rubro sangue a Ideia,
A luz que doma o fogo, o apaga, o ateia,
E o faz descer do céu
Humilde como um cão!... Poder terrível,
Que Júpiter temeu, quando, iracundo,
Mandou prender, por dar exemplo ao mundo,
Na rocha a Prometeu!...
Daí a mola oculta, a força ingénita,
A causa porque tu, no ardor da guerra,
Revolves sem cessar o céu, a terra,
A alma e o coração,
E fazes e desfazes, sem descanso,
Sistemas, religiões, filosofias;
Depões a Deuses, reis e tiranias,
Em nome da Razão!...
Por veres quem tu és e quanto vales:
Das próprias obras fazei o claro espelho,
E escreve em face delas o evangelho
Da nova religião,
O autêntico, o real, o verdadeiro;
Que em vez do degradado filho de Eva,
Com legitimo orgulho a Deus eleva
Tua alma e coração!
Senhor das energias infinitas
Do mundo, com que Deus teu pai reforça
Teu múltiplo poder: expulsa a força
Que os déspotas produz;
Levanta novamente altar e templos
Ao Belo, ao Justo, ao Bem, à Sapiência,
Afim de que na Terra a Consciência
Impere em plena luz!
Em vez de Força, Amor rege hoje o mundo!...
E Amor, se toma as normas da Justiça,
Fará com que, empenhando-te na liça
Dum ideal melhor:
Floresçam sobre a Terra, em prol de todos,
Honrando a Deus, servindo a Humanidade,
Os sonhos de pureza e de bondade
De Cristo, o Redentor!...
Terás no espaço os sóis por companheiros,
Contigo permutando noite e dia,
Na sua eterna e plácida harmonia,
Os mil problemas seus!...
De acordo com Deus e a alma, o céu e a terra:
Verás com resplendor a tua Ideia,
Chamando-a à vida, em tudo onde campeã
O espírito de Deus!

XVI

 

Á MULHER

Senhor da Força, nós, o herói lendário,
Da Terra o domador, o sábio, o forte,
Diz-se-ia que jurámos ante a morte
Guerra de irmão a irmão!...
Mais feros do que os tigres, destruímos-lhos
A ferro, a fogo, a pólvora, a metralha,
Deixando, pelos campos de batalha,
O sangue, a assolação!...
Mudou agora o Eterno ao mundo a rota
Que a séculos trazia,... e novos astros
Despontam no horizonte, e em nossos mastros
Mais rutilem troféus!...
Em vez da guerra truculenta e ímpia,
Impõe-nos por principio a Paz dos Povos,
Que impávidos demandam mundos novos,
Nova luz, novo Deus!...
Fechado para sempre o férreo ciclo
Da guerra universal, obscuro berço
Do velho mundo bárbaro, inda imerso
Nas lendas dos heróis:
Compete a Ti, Mulher, filha dilecta
De Deus, coroar na Terra a grande obra,
Que em fulgido progresso se desdobra,
Á clara luz dos sois!...
Missão mais nobre à vida humana é dado:
Juntar e repartir de muitos modos,
Por cada um de nós, e em prol de todos,
Do Bem a eterna luz,
Fazendo com que caiam na nossa alma,
Qual chuva em messe loira e movediça,
Numa missão de amor e de Justiça,
Os sonhos de Jesus!...
Em vez da Força, Amor rege hoje o mundo!
E amor, tomando as galas da Beleza,
As normas de Justiça, a mãe, a deusa
Das novas gerações:
Ao teu celeste influxo, posto à sombra
Da mãe de todos nós, a  Humanidade,
A paz será na Terra, e na Verdade
Os nossos corações!...
Beleza e Amor, unindo-se, fizeram
Do teu mimoso ser um relicário,
Onde a mão do divino estatuário
Os sonhos seus guardou!...
De encantos mil, conjunto incomparável!
A Deus já mereceste tal conceito,
Que só do amor divino do teu peito,
A vida confiou!...
Teu lindo rosto, espelho da sua alma,
Transporta-me a ideais de tal apreço,
Que em frente dele extático estremeço,
E ponho-me a cismar:
Se entre as ondas de graça e de beleza,
Que lançam sobre mim seus olhos ternos,
Está ou não oculto a bendizer-nos
De Deus o próprio olhar!...
Tem jus as níveas formas do teu corpo
Ao flácido veludo, à fina seda,
Primor da industria humana que arremeta
As pétalas da flor!
Rainha! traja mantos de ouro e púrpura,
A doce perla, o fulgido brilhante,
E tudo quanto esplêndido levante
Na Terra o teu amor!
Amor se simboliza num menino,
Dos céus gentil e alado mensageiro,
Trazendo atrás de si, como um cordeiro,
Pacifico leão!
O magico poder que a fera doma,
A força de que se arma esse inocente
És tu mulher, e a fera obediente
O nosso coração!
Cônscia de Ti, das leis da vida, impera!
E aos pés verás as almas subjugadas!
Tem mais poder que o fio das espadas,
Um riso e olhar dos teus!
Que o teu propicio amor, dos céus oriundo,
Nos doure a vida, a ampare, a dulcifique,
Nos faça com que a alma humana fique
Mais próxima de Deus!

XVII

dao_zanzibar

AOS FILHOS

Trazidos pelo Amor, que por instantes,
O véu ergue à Verdade,
Por nós à luz vieram, quais prestantes
Peões da Humanidade!...
Amor é quem dos céus nos abre a porta,
Nos deixa ver o intuito
De Deus na Terra, e a ele nos transporta
Da amante o olhar fortuito!
Em nós num sonho lindo tendo origem,
Se o sonho a Deus encerra,
As sabias leis da historia humana exigem,
Que o sonho desça à Terra!...
Dos país vingasse o amor, que este o faria
Entrar na realidade,
Expondo a divinal sabedoria
Em plena claridade!...
Com legitimo orgulho o sol dar-lhe-ia
Seus raios sempre novos;
E a Terra os bens inúmeros que cria
Em paz, a bem dos Povos!
Em vez de irmãos maléficos eivados
De ódios que o sangue atiça,
Os bons e os maus ver-se-iam congraçados
Em nome de Justiça!
Em frente das pacificas moradas,
Jasmins, lírios e rosas!...
E as ruas que pisamos marchetadas
De pedras preciosas!
Tal o sonho que passa pela mente
Dum pai criando os filhos,
E nessa fé remove diligente
Milhares de empecilhos!...
Mas fá-lo em vão, que o mundo, sob um pacto
Cruel como o ódio eterno,
Lhe põe em de redor, injusto e ingrato,
Em vez do céu, o inferno!...
Ás vezes chega a ter-se horror ao homem,
Ás suas ímpias lutas,
Ao termos de entregar o peito jovem
Dum filho ás feras brutas!...
Antítese do Bem em que inda espera,
Pergunta dolorido
Um pai a Deus: se acaso lhe valera
Seu filho ter nascido!...
Enfim é lei, e a lei, ideal supremo
Bendito e sublimado,
Fará com que passemos deste extremo
Do mal, ao Bem sonhado!...
De Deus a Ideia amplíssima, infinita,
Qual filha ao lar paterno,
Em torno a Deus esplêndida gravita,
No seu percurso eterno!
E tal como do caos pavoroso,
Que a custo eu mal devasso,
Surgiu mais tarde o mundo esplendoroso,
Que rola pelo espaço!
E à eterna luz dos sois no firmamento,
Celeste peregrino,
Caminha sem cessar no seguimento
Dum Ideal Divino:
Assim o coração febril se arrasta,
Na sua luta imensa,
Atrás do Bem Supremo, e tanto basta
Por base à minha crença!...
Buscando o sumoso Ideal por entre antíteses,
Fazendo e desmanchando:
O espírito concebe as largas sínteses
De Deus, de quando em quando!
Ao fim de cada qual ressurge a Vida,
E muda os moldes velhos
Por outros que se ajustam à medida
Dos novos evangelhos!...
Sobre isto a historia oferece-nos exemplos!...
Os críticos deparam
Com os netos desmanchando um dia os templos,
Que seus avós sagraram!...
Daí os ódios vãos de fanatismo;
Os múltiplos revezes,
Que assolam as nações como um cataclismo
Das crenças muitas vezes!
Quem do alto vê, no entanto, a historia humana,
Contempla sorridente
A marcha dos destinos porque emana
Dum Pai omnisciente!
Passem nos céus, com rapidez tamanha,
Os astros Diamantino;
Que a terra os segue; a terra os acompanha
Iguais são seus destinos!...
Aquilo que há de vir e que deriva
Daquilo que hoje somos,
Que em si contém do Eterno a parte viva,
Nos filhos o depomos!...
Os filhos são da árvore da vida
A flor dos novos frutos,
A quem de Deus a essência é transmitida,
Com os seus mil atributos!
E os pais então o fruto assazonado,
Já próximo da queda;
Com eles cai a parte do Passado
Que é morta, e Deus arreda!
E quem nas leis divinas confiando,
Á fúlgida seara
Do bem se consagrou, não morre quando
Dos vivos se separa!...
Contente desce em paz à sepultura,
Na crença de que os filhos
Verão mais tarde em plena formosura
Dos sonhos seus os brilhos!
Na marcha ascensional da humana historia,
Que a mão de Deus conduz,
O filho entrou na Luz que é transitória,
O pai na eterna Luz!...
Á farta os vermes seu cadáver roem
Na campa onde se esvai!
Sua alma triunfante e os sois entoam
Hossana a Deus que é Pai!

XVIII


Á HUMANIDADE

Estrelas que rolais no espaço etéreo
Num vértice de luz vertiginoso,
E em numero sem conta e sem repouso,
De Deus cumpris altíssimo mistério!
E vós flores gentis, purpúreas rosas,
Roxas violetas, cândidas boninas,
Que abris, tomando formas peregrinas,
Á luz do Sol as pétalas mimosas:
Comigo erguendo a voz
Ao trono da Verdade,
Saudai a Humanidade,
Que é mãe de todos nós!
Materno amor, que tanto admiro e acato,
Perene luz vital do Ser Supremo,
Ante cujo esplendor confuso eu tremo,
Se sondo o teu Santíssimo mandato!
Ou sejas tu mulher junto do berço
Com terno olhar velando o teu filhinho;
Ou tu maviosa rola no teu ninho;
Benditas no concerto do Universo:
Por tão divinos bens,
No intimo do peito,
Votai sentido preito
Ao símbolo das mães!
Mulheres que prestais culto a Maria,
Á virgem Mãe de Deus, cheia de graça,
Doçura, vida e esperança onde se enlaça
O vosso coração de noite e dia!
E vós ingénuas multidões que hei visto
Com ar tristonho, humilde e miserando,
Nos templos de mãos postas adorando
Por vossa padroeira a Mãe de Cristo:
A Virgem que adorais,
Tornou-se a precursora
Da mãe que surge agora
Aos olhos dos mortais!
A mãe que em vez dos tristes filhos de Eva,
Levanta aos céus os filhos redimidos!
Em cânticos transforma os seus gemidos!
No Bem o mal, na doce luz a treva!
A mãe que os filhos todos encaminha
Ao Sumo Bem, que traz no peito oculto;
Erguei-lhe pois altar, prestai-lhe culto;
Tem jus a que bradeis: Salve Rainha
«Bendito sê nos céus!»
«Bendito sê na Terra!»
«Sacrário onde se encerra»
«O Espírito de Deus!»
Oh povos que viveis sob a vigília
Do olhar supremo em toda a redondeza,
Formando pelas leis da natureza
E os vínculos morais, uma família:
Sabei que cada qual, tendo-a consigo,
Trará como um clarão na consciência,
Um rutile fanal, a Providência
Que o pode redimir na hora do perigo!
Interpretes de Lei
Divina, e para exemplo,
Em honra dela um templo
Na alma humana erguei!
Estrelas, flores, mães, sábios e crentes,
Vós todos que formais a eterna cahorte
Dos bons, dos que perante a vida e a morte,
De Deus esparzem raios resplendentes:
Por preito à obra santa e redentora,
Que põe a Terra e os céus em harmonia,
Como alto solta alegre a cotovia
A límpida canção à luz da aurora:
Á minha unindo a voz,
Cantemos criaturas,
Hossana nas alturas
Á Mãe de todos nós!

XIX


AO NOVO CICLO HISTÓRICO

AO TRIUNFO DO ESPIRITO

Homem! sob o dossel das fúlgidas estrelas,
Que espalham pelos céus de Deus o Ideal jucundo,
Surgiste insciente e nu, por entre mil prose-lás,
A custo iniciando o teu Poder no mundo!...
A Terra, que há de ser mais tarde o teu Império,
Teatro e pantheon dos teus troféus de gloria,
Prendeu-te inerme e escravo, e impôs-se ao teu critério
Terrível como um Deus, no escuro umbral da Historia!...
No fundo do teu Ser, que sabias leis dirigem,
Rompia ainda incerta, envolta em serração,
Tua alma, cuja luz transporta o mundo à origem
Do Belo, Justo e Bom, do Amor e da Razão!...
Que séculos sem fim primeiro que desvendes,
Dos vínculos da carne, esse fanal divino!...
Que lúgubres visões!... Que espectros!... Que duendes!...
Que espíritos do mal, turvavam teu destino!...
Que o digam as ficções do extinto fetichista!...
O numero sem fim dos deuses dos selvagens!...
As tétricas visões da Fé no Judaísmo!...
Do inferno dos cristãos as lôbregas voragens!...
Mas tudo enfim venceste e hoje soa a hora
De veres sem pavor a estrada percorrida!...
De creres já em ti, em Deus, na luz da aurora
Que encerra um velho ciclo, e um novo te abre à Vida!...
Deus fez desse teu peito um campo de batalha
Das lutas no Universo!... E ai foram mantidas,
Em nome do Ideal que a terra e os céus trabalha,
Medonhas convulsões e guerras fratricidas!...
Decerto obedecendo a oculto e grão motivo,
No plano universal da Vida a que és sujeito,
As mil conflagrações do caos primitivo
Vieram a surgir de novo no teu peito!...
Dois ciclos Deus traçou, duma orbita infinita,
Dos povos do universo ás múltiplas colmeias:
Um vota-o as paixões que o rubro sangue agita;
O outro ao resplendor sereno das ideias!...
Inicio da missão primeira a que és chamado,
Tu vês, em pleno horror, da força o predomínio
Nas feras, que, cruéis, rugindo em alto brado,
Se votam sem quartel ás lutas de extermínio!...
Mil raças de animais, minados de ódio eterno,
Trucidam-se, correndo o rubro sangue em rios!...
Têm ódios figadais, que lembram os do inferno,
Que foi a projecção de tempos tão sombrios!...
Em face então do mundo aceso todo em guerra,
Proclamas-te senhor e rei da criação!
E levas sem quartel a morte a toda a Terra,
Á pedra, a pau, a ferro, e a tiro de canhão!...
Soberbo como o poder, que de ambições se nutre,
Gravas-te nos brasões heráldicos da gloria,
Das feras, o leão, o tigre, a águia, o abutre,
Quais símbolos fieis da tua acção na História!...
Atrás de mil visões formadas como espéculos
Que alcançam do Ideal a luz sempre distante,
Tu fechas hoje em dia, ao fim de largos séculos,
Dos Deuses, reis e heróis o período brilhante!
Os próprios animais, aqueles que escolheste
Por símbolos fieis do teu poder, é certo
Que estão-se a eliminar também: a morte investe
Com eles por fatal e superior decreto!...
A paz que hoje vais ter por nova lei suprema,
É a mesma a que atingiu o próprio caos por meta;
Nos parámos do azul os sois que a têm por lema
Escrito a fogo eterno aos olhos do poeta!...
Num múltiplo vai-vem, numa completa antítese
Por entre o gozo e a dor, por entre a sombra e a luz,
Chegas-te a conceber do mundo inteiro a síntese
Num pai celeste e Bom, no Deus que viu Jesus!...
Deriva desde então do período primeiro
O fim que se aproxima e o resplendente alvor
Do novo Ideal que traz o fim do cativeiro:
Em vez da Força, a Ideia; e, em vez do Ódio, o Amor!
Teu cérebro pensante é como uma semente
Que está reproduzindo a flor do Ideal!
Eterno nos traduz por forma resplendente
Do seu divino autor a essência espiritual!...
Do belo lírio da alma as pétalas brilhantes
Cambiam sem cessar de cor e de perfume,
E levam do Porvir, aos séculos distantes,
O espírito de Deus que o mundo em si resume!...
É como o grão subtil que um cedro do Himalaias
Expõe formoso ao Sol, em todo o seu sistema!...
Em intimo labor como as leis da Vida, ensaia
A eterna solução do divinal problema!...
O mesmo estão fazendo as fúlgidas estrelas,
Formoso campo em flor, ideal jardim divino!...
Dai as mil visões das coisas as mais belas
Que esparzem sobre nós seu brilho Diamantino!
O mundo desde os sois da cúpula infinita
Ás flores a teus pés, com paternal carinho,
Insuflam nesse peito ansioso que palpita
Valor para que vás seguro em teu caminho!...
Tem fé no teu destino; em Deus tem confiança!
Da tua historia escrita as paginas sem conta
Derramam na tua alma a nova luz que avança
De acordo com o universo e que hoje em ti desponta!...
Em vez do legendário herói das priscas eras,
Das guerras extraindo a gloria a todo o custo:
Honrando o Criador, e as fúlgidas esferas,
Serás, qual semi Deus, sereno, sábio e justo!...
É este o Ideal que as leis da natureza
Inspiram com sublime e cândida alegria!...
Que as normas da Razão, que as pompas da Beleza,
E as máximas do Amor, reclamam noite e dia!...
O mesmo ensina o mar que arqueja palpitante,
Da terra enviando a Deus seus cânticos de amor!...
O mesmo o terno olhar dos olhos duma amante;
O augusto erguer do Sol, o calmo abrir da flor!...
O ciclo que hoje se abre, embora ainda incerto,
Vem dar um novo rumo à tua antiga historia;
Vem pôr-te em equilíbrio, em intimo concerto
Como a vida universal, de que és a alma e a gloria!
É esta a nova Fé que em tuba altissonante,
Interprete da Vida, entoa a voz da musa!...
Correi, povos, a ouvir-lhe o seu clamor vibrante!...
O espírito de Deus em sua voz se acusa!...

XX

ciel3
NOVA LUZ! NOVO IDEAL!

Espírito Supremo, donde brota
A luz que eterna os mundos alumia,
E deixa pelo espaço uma harmonia
Eco da tua voz!
Inspira-me a assistir, sereno e impávido,
Ao fúnebre ruir do cristianismo,
E deste inevitável cataclismo
Salva-te a ti e a nós!
A Ti, o forte, o sábio, o justo, o símbolo
De toda a perfeição, a ti importa
Que desta fé, tornada letra morta,
Vejamos renascer
Do mundo novo a crença ardente e rutila,
Com o mágico fulgor da nossa Ideia,
O espelho onde melhor se patenteia
No mundo o teu poder!
Ao teu olhar religiões sem numero,
Com ritos, cultos, cheios de fulgores,
Desabam, como as pétalas das flores
Ao Sol que as reproduz!...
Que um novo Ideal de amor, de ti nascido,
Trajando de ouro e púrpura o horizonte,
Das sombras de hoje, esplêndido desponte,
A dar-nos nova luz!...
Outra verdade, filha destes tempos,
Que venha a nós em nome teu, nesta hora,
Matar a sede ardente que devora
Os nossos corações,
Depois que à intensa luz de mil combates,
Travados pela fé contra a Ciência,
Começa-se a apagar na consciência
O ideal cristão!
A Ti atrais as almas como as águias
De monte em monte a prole aos céus subindo,
Fazendo com que atinja o espaço infindo
Que abarca o seu olhar!...
De Brama a Buda, de Moisés a Cristo,
Se fez essa ascensão prodigiosa,
Ao fim do qual a alma é desejosa
De a novos céus voar!...
Ah desta vacuidade em que se encontram
Os nossos corações cheios de febre,
Que uma alma nova irrompa e audaz celebre
Suas núpcias de amor
Com o mundo que lhe coube por partilha,
Passando a coexistir serenamente,
Harmónica, feliz e resplendente,
Como ante o Sol a flor!...
Por nós, que não por ti, que és intangível
Ás frágeis condições da vida humana:
Perante o aspecto triunfal que emana
De toda a criação:
Convêm-nos expurgar do fundo da alma,
Da fonte onde se gera o pensamento,
O cunho de tristeza e desalento,
Que imprime o ideal Cristão!...
Há na verdade em tudo o que é beleza,
E força e vida e amor nas criaturas,
Desde os astros que brilham nas alturas,
Á flor a nossos pés:
Tanta porta do céu a abrir-se à alma;
Riqueza tanta e tanto amor oculto
A revelar-te a Ti, que é justo um culto
Erguer-lhes outra vez!
Digamos a verdade: uma semente,
Que eterna e intacta a árvore resume,
Com troncos, folhas, flores e o perfume
Que se entrega a variações:
Encerra em si mais luz, lição mais pratica,
Mais digna de por nós ser aprendida
Qual máxima do amor, e ideal da vida,
Que um livro de orações!
Tua alma é presa ao mundo que criaste
E o mundo, cuja orbita infinita
Abrange a Terra, e os Céus, onde palpita
de amor teu coração,
Tem jus a que façamos dele a Bíblia
Eterna, aonde aprenda a Humanidade,
Sedenta de Justiça e de Verdade,
A nova religião!...
Ah tens a executar teus vastos planos
De amor, e de Justiça, auri fulgentes,
Fanáticos aos mil, e mil videntes,
E inúmeros heróis,
De varia estirpe: o artista, o justo, o sábio,
Buscando interpretar teu pensamento;
E encontram pelo azul do firmamento
No mesmo afã os sois!...
Que à tua voz as gerações extintas
Ressurjam e contemplem com surpresa
Esta obra imensa, cheia de beleza,
Que em múltiplo labor,
As novas gerações estão fazendo!...
Que em nome da Verdade triunfante,
Uníssono na Terra se a levante
Este hino em teu louvor!

XXI


APELO SUPREMO!

A minha alma imortal neste exílio onde existe,
Abrigando no seio a ideais tão risonhos,
E entre os homens só vendo um sarçal ermo e triste,
Onde outrora plantara o jardim dos seus sonhos:
Teve a sorte cruel duma flor, que enganada
Pelos raios do sol, ainda inverno e entreabriu;
Mas que dias depois, com o cair da geada,
E o soprar do nordeste, afinal, sucumbiu!...
Assim foi para mim o florir dos amores,
Nessa quadra febril em que o sangue é fecundo,
Quando rompe a manhã, quando abrem as flores,
Quando o Sol brilhante e o azul é profundo!...
Nem há rocha no mar, pelas ondas batida;
Nem há nuvem no céu, pelo vento açoutada;
Nem há rosa num vale pelo sol esquecida,
Que se possa dizer mais do que eu desgraçada!...
Mas se o mal nos incita, e Deus quer nos transporte
De um estádio a outro a muito custo,
Em demanda do Bem, que triunfa da morte:
Deves crer do Porvir no Ideal santo e augusto!
E se foste, minha alma, a iludida afinal,
Quando creste emplumar nesta quadra o teu ninho,...
Pede a Deus que te envie aquela hora fatal
Que abre a porta à Verdade e vai tu teu caminho!...
Oh Justiça increada! oh meu Deus! oh meu Pai!
Tu que a mim me mostras-te o teu seio, esse abrigo
Da Beleza e do Amor, que me envolve e me atrai:
Dá-me as asas Senhor, com que vá ter contigo!...

XXII


REFUGIO ULTIMO!

Deixa, Senhor, do mundo em que eu habito
A ti meu ser se evole!...
Tem jus aos céus quem mede esse infinito
Que vai de sol a sol!...
Sonhei na terra, amando-a muito e muito,
Novo Deus, nova lei;
Mas foi, pura ilusão, baldado intuito,
Contigo só me achei!...
Supus em vez do gélido egoísmo,
Da guerra surda e atroz
De interesses, em perpetuo antagonismo,
Que envolve a todos nós:
Homens, povos, nações, por vários modos
Unidos, dando as mãos:
Todos por um, valendo um só por todos,
Vivendo como irmãos!...
É fé que sigo, é crença que mantenho:
Que em misterioso nó
Unis-te os homens, com supremo engenho,
Formando uma alma só;
Em serviço da qual cada individuo,
Com múltiplo labor,
Trabalha por lhe dar, no esforço assíduo,
O máximo esplendor!...
Quão mais estreito o vinculo for dado,
Mais luz há-de irromper
Do nosso coração, do amor gerado
No ventre da mulher!...
Tal o sonho que em dias mais felizes
Ao mundo consagrei!...
Como há-de aqui lançar fundas raízes:
A ti contente irei!...
Se um raio de calor ou luz, prestantes,
A terra a si prendeu:
É ver-los como, em rápidos instantes,
Se evolam para o céu;
E como, num sentido em tudo oposto,
A pedra na amplidão,
Quanto mais alto atinge, com mais gosto
Gravita para o chão!...
E eu não gravito: eu subo na vertigem
Dum celso condor
A demandar em ti, na própria origem,
Beleza, luz e amor!
Permite, pois, do mundo em que eu habito
Meu ser a ti se evole:
Tem jus aos céus quem mede esse infinito
Que vai de sol a sol!

LIVRO SEGUNDO


ESPELHO DUPLO

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O MUNDO E A CONSCIENCIA


I


ALVORADA

Algures brilha o sol no azul do firmamento,
E expõe com resplendor das coisas o espectáculo!
Aqui, na escuridão, o mundo é tabernáculo
Onde os frágeis mortais descansam um momento!...
Alem, o Sol incita o mundo ao movimento,
Á luta pela Vida, o esteio e o sustentáculo
Desde o ser da Razão ao mínimo animaculo,
Aqui, o sono esparze em todos novo alento!
Ó Luz! tu és do mundo a Força, a Alma, a Vida,
A essência do meu Ser, a minha própria Ideia,
O próprio Deus, talvez!... Beleza, Amor, Verdade!
Atrás de Ti caminha a Terra, mãe querida!
Bendito caminhar! Por Ti minha alma anseia!...
Bem-vinda sejas, pois, oh doce claridade!

II


Á LUZ

Oh Luz dourada e pura!
Oh Luz, irmã do Amor!
Espelho e formosura
Da Alma do Senhor!
Em ti eu vejo e abraço
O autor da criação,
Soltando pelo espaço
Esplêndida canção
Meus olhos que te admiram,
Bem como a Terra e os Céus,
Ao verem-te, sentiram
O próprio olhar de Deus!
O céu, mal vens na aurora,
Mais alva que a alva lã,
De púrpura colora
As faces de manhã!
A Terra, envolta em galas,
Mais bela que as Auris,
Reveste-se de opalas,
De pérolas e rubis!
As aves inocentes,
Sentindo o teu fulgor,
Gorjeiam, de contentes,
Seus cânticos de amor!
Os lírios junto ás fontes,
Perdendo o teu clarão,
As suas lindas fontes
Inclinam-se para o chão!
Eu mesmo, se em verdade
Sonhei, com Jesus,
O bem da Humanidade,
A Ti o devo oh Luz!
Oh cândida alegria!
Espírito de Deus,
Que animas noite e dia
A Terra, o mar, e os céus,
Adoro-te portento!...
E a Ti levando as mãos,
Como ante o sacramento!
Os simples ses cristãos!...
Desta alma és o esteio!
Que a tua essência pura
Ampare-me no meio
Da minha desventura!...
E quando a morte um dia
Roubar aos olhos meus,
A esplêndida harmonia
Que formam Terra e céus:
Seguindo prazenteiro
A lei que me conduz,
Meu grito derradeiro
Será por ti oh Luz!

III


AO SOL!

Oh maravilha esplêndida engastada
Na fronte augusta do azul profundo,
Qual lamina brilhante onde gravada
Se visse a face de quem fez o mundo,
Eu te saúdo oh Sol? qual religioso
O Índio quando viu a vez primeira
Surgir do mar teu facho luminoso
E alegrar com a luz a terra inteira!
Ah! quis cantar o braço omnipotente
Que por nós trabalhava a cada instante:
E a terra, o mar, e quanto vive e sente,
Apontou para Ti, astro brilhante!
Possam teus raios que nos céus se expandem
Ricos da gloria e cheios de alegria,
Fazer com que do peito meu debandem
As sombras da tristeza que trazia,
E ouve-me um canto alegre como o coro
Das aves quando, envolto em majestade,
Tu transpões do oriente as portas de ouro
E abençoas dos céus a Humanidade!
Oh astro, coração três vezes santo,
De cujo seio foi por Deus emerso
O movimento e a vida e tudo quanto
Forma hoje a harmonia do Universo!
Ouvi louvar-te, num concerto vario,
Montanhas, mares, flores e arvoredos,
Que do meu peito, como dum sacrário,
Confiaram seus íntimos segredos!
Louvam-te as aves; louvam-te as crianças,
E os velhos que não trem fogo nos lares,
Buscando a doce luz que tu lhes lanças,
Como a imagem de Deus junto aos altares!
Louva-te, oh Sol! a terra a quem quiseste
Por tua esposa, na época sombria,
Em que de crepe a abobada se veste,
Lacrimosa chorando noite e dia;
E os jubileus e os mil festões de gala
Com que cingiu de noiva delirante
A casta fronte, quando a enamorai-a
Sentiu de novo o teu olhar brilhante!
Oh Sol! oh Sol! a minha língua é pobre
Para cantar-te em verso o quanto vales
Perante as maravilhas que descobre
A vista humana por montanha e vales!...
Desde o negro carvão que o fogo ateia
Ao cedro altivo que no mundo avulta;
Desde o meu sangue à luz da minha ideia:
Por tudo existe a tua essência oculta!...
Hóstia de luz esplêndida, patente
Perante os povos em perpetua missa!
Tu, que és de Deus o espelho resplendente,
Trono de gloria e sede de Justiça:
Se apagares nos céus teu facho enorme,
Suspensa a vida no labor interno,
Tu verás como a terra logo dorme
Entre as sombras da noite um sono eterno!...
Seja pois o meu canto um desafogo
Da nossa gratidão, astro, jucundo!
Coração formosíssimo de fogo
Que em nome do Senhor dás vida ao mundo!
E prossegue no carro flamejante
A derramar teus bens por mundos novos,
Que enquanto vês na marcha triunfante
Infindas tribos de animais e povos:
Eu, deslumbrado ainda com os vestígios
Da tua luz, de tantas coisas belas,
Louvarei o autor de tais prodígios
Sob esse manto esplêndido de estrelas!

IV


AO MAR!

Senhor! eu canto o mar, que no saltério
Desses orbes de luz que além se avista,
Com a voz dum tristíssimo salmista
Teu nome ousa louvar no espaço etéreo!
Canto o apostolo, o mestre da Verdade,
Que, aprendendo de ti altos segredos:
Contra os negros tiranos dos rochedos
Vai pregando o sermão da Liberdade!
Ah cuja grande voz, do além do abismo,
Apraz-me ouvir por noite tenebrosa
Imponente crescer, bramir raivosa
De encontro à rocha onde eu medito e cismo!
Hei-os sempre naquele arfar profundo,
Em luta colossal, guerra infinita,
Contra o sopro do céu que eterno o agita,
Desde o dia em que Deus o trouxe ao mundo!
Se tudo quanto ai à luz se cria,
Tudo trabalha mas descansa e dorme,
Porque anda sempre oh mar, teu seio enorme
Nessa luta cruel de noite e dia?!
Em ânsia igual só tenho a comparar-te
Á marcha desses mundos que o Senhor
Tornou em corações do seu amor,
Para a vida acordar por toda a parte!
Tu és o irmão dos astros; és da Terra
O imenso coração profundo e triste,
Que eterno oferece a vida a quanto existe,
Com o auxilio do Sol, que tudo encerra!...
Ah muito seja embora o desgraçado,
Muita a miséria oculta nesse abismo,
Desde as cenas do horrível cataclismo,
De que rezam as bíblias do Passado:
Eu vejo em ti o pai dos pobrezinhos,
A quem nada deixando as leis avaras,
Tornas-te-lhes os peixes em cearas,
Para matar a fome a seus filhinhos!...
O eterno confidente de infelizes,
De quem pareces ser tão grato espelho,
Que servindo para eles de evangelho,
Eu não sei que palavras tu lhes dizes,
Que fico ai por tempos esquecidos,
Tão preso a escutar-te a voz das águas,
Que obtenho acalmar a dor ás magoas
E adormecer meus males tão compridos!...
Oh! mar! oh! mar! quando eu a sós medito
Nas rochas sobre os píncaros calado,
Recorda o teu rumor cadenciado
Um pêndulo suspenso no infinito!...
Harpa de Deus exposta aos quatro ventos,
Onde o sopro, que a vaga à vaga impele,
Descarta harmonioso um hino Aquele,
Que a terra e os céus encheu de mil portentos!...
Quer a cólera acesa da tormenta
Te divida em terríveis multidões
De tigres, de panteras, de leões,
Rugindo em cada vaga que rebenta;
Quer ouça pelas algas verde negras,
E as praias solitárias onde eu choro...
Cantar o teu amor em vasto coro
De rolas, rouxinóis ou toutinegras:
Ou fera ou pomba, igual amor me ateia
O teu gentil amor e altivo orgulho,
Quando este arroja à praia o pedregulho,
E aquele as lindas conchas lhe semeia!...
És sempre o mesmo! És sempre o grande amigo,
Sobre cuja espantosa imensidade
Vejo passar o sopro da Verdade,
Da doutrina de Deus, que adoro e sigo!

V


ÁS NUVENS

Vapores que em vistosos cortinados
Armais dos céus o templo de safira
Com púrpura e finíssimos brochados,
Sede hoje o assunto para a voz da lira!
Que eu quero ter a intima certeza
Que, antes da hora da fatal partida,
A minha alma no mundo fica preza
Ás coisas belas que adorei na vida...
Horas felizes que ainda hoje eu passo,
Pelas tardes cálidas do verão,
Seguindo-as uma a uma pelo espaço,
Dizei ás nuvens se eu as amo ou não!...
Eu que vou pelo mundo imaginando
Visões sobre visões, sempre ilusórias:
Comprazo-me em vos ver de quando em quando,
Formas aéreas, sombras transitórias!...
Vós que nas tardes e manhãs amenas,
Passando como tímidas deidades,
Deixais os céus juncados de açucenas,
De alvos jasmins e roxas saudades;
Vós que andais pressurosas, fugitivas,
Os céus cruzando num lidar constante:
Sorris-me como as múltiplas missivas
Que envia ao Sol a Terra sua amante!...
Imagens lindas dum amor jucundo,
E espectros negros de íntimos rancores,
Do grande coração que agita o mundo,
O mar, que tem como eu paixões e amores!...
Á tarde quando o Sol, cratera ardente,
Vai prestes a apagar-se e, em desafogo,
Inflamam as grandes portas do Ocidente
E faz da terra e céus um mar de fogo:
Ah! deixo os olhos espraiando a vista
Pelos painéis de mil preciosidades,
Aonde desenhais, com mãos de artista,
Em telas de ouro olímpicas cidades!...
E agora são rochedos e campinas!...
Folgados leões e tímidas gazelas!...
E logo após castelos em ruínas,
Visões de amor, fantásticas donzelas!...
Umas vezes são guerras estrondosas,
Lutas cruéis de impávidos gigantes,
Onde há rios de sangue e pavorosas
Sombras de heróis, e incêndios fumegantes!...
E outras vezes, então, nuvens ligeiras,
Convertei-vos em lírios e violetas,
Em acácias floridas e palmeiras,
E em vultos de Romeus e Julietas!...
E eu amo a nuvem negra que imponente
Abre nos céus a fúlgida garganta,
E vomita do seio o raio ardente,
E com ele o trovão que o mundo espanta,...
E a pudibunda nuvem de alvorada
Quando, ante o Sol esplêndido que assoma,
Parece virgem pura e delicada,
Branca de neve com dourada coma!...
Oh nuvens que passais no firmamento,
Bandos aéreos de ilusões perfeitas!...
Vós que tão lindas sois, e num momento,
No chão caís em lágrimas desfeitas!
Quando vos vejo pelo azul profundo,
Voluptuosas, gentis e transparentes:
Lembrais-me os sonhos que lancei ao mundo,
Como um bando de pombas inocentes!...
Bem mais felizes vós, que, num momento,
Passando aéreo fumo em vale e serra,
Levais convosco, a vida, o movimento
De quanto nasce e vive sobre a terra!...
Já não assim meus sonhos, muito embora
Levem consigo as novas do futuro:
São nuvens belas de esplendor aurora,
Desfeitas sobre um chão ingrato e duro!...

VI

Cedromonum
ÁS FLORES

Eu venho-vos cantar, mimosas flores,
A vós irmãs da luz, gentis e belas,
Do chão que piso vívidas estrelas,
Com mil perfumes, mil viçosas cores!
Á vossa encantadora companhia,
Toda cheia de graça e de candura,
Eu devo em parte a luz serena e pura
Do amor, que meu espírito alumia!...
Cercando-me dos vossos esplendores,
Nos quais eu pasto dia e noite a vista,
Consigo converter meu lar de artista
Num Louvre de riquíssimos lavores
Em Porfírio, alabastro, em prata e oiro,
E em fúlgidos cetins!... Primores de arte,
Por onde o Artista Máximo reparte
como os olhos meus belíssimo tesouro!...
Entre nós não a festas verdadeiras,
No templo, no palácio ou na choupana,
Que em todo o grão matiz da vida humana,
Prescindam de vos ter por companheiras!...
Ninguém na Terra vos disputa a palma
de expor, com fidelíssima justeza
De cor e forma, cheias de beleza,
Os vários sentimentos da nossa alma!...
A tímida donzela, ingénua e pura,
Temendo-se dos bens que ela imagina,
Nas pétalas da cândida bonina
Procura ler seus sonhos de ventura!...
Com finas mãos, as pálidas Ofélias,
Por darem mais realce aos fios de ouro
Das bastas tranças: seu cabelo louro
Adornam com alvissimas camellias!
Afim de se dizer á bem amada
Do intenso amor o rapido delirio:
Da rosa pudibunda ou branco lírio
Se faz missiva pura e perfumada!...
Os tristes na viuvez, e na orfandade,
Roidos por uma intima amargura:
Desfolham na chorada sepultura,
As petalas do lírio e da saudade!...
Eu mesmo, que do publico debando;
Dos mortos devorciado, e alheio aos vivos:
Se vejo de entre sonhos fugitivos,
Abrirem-se-me os céus de quando em quando;
Supondo em vida os povos numerosos,
Unindo-se em espírito e verdade,
Viverem ante Deus e a Humanidade,
Como irmãos, solidários, venturosos;
E encontro, em torno ás cândidas quimeras,
Cruéis dissoluções por toda a parte:
Em guerra os homens, a virtude e a arte
Sem o fogo sagrado de outras eras...
Oh minhas flores! viva embora eu triste,
Que as vossas sereníssimas imagens
Conseguem libertar-me das voragens
Com quanto belo na minha alma existe!...
Ah quando caio e vejo das misérias
Cavar-se aos pés um sorvedouro infindo:
Seguindo as esferoidais um sonho lindo,
Por vós remonto ás regiões etéreas!...
Em horas de fraqueza, horas mofinas,
Se eu ouso vos fitar, sinto na face
Um súbito rubor, qual se me olhasse
Deus Pai, sob essas formas peregrinas!...
Urnas santas, a mim que deposito
No vosso odor subtil e perfumado
As cenas mais gentis do meu passado,
Perdidas para sempre no infinito!...
Deixai que em testemunho da verdade:
Do muito que vos quis e amei na vida,
Como eco da minha alma agradecida,
Meu canto o ateste á luz da eternidade!...

VII


Á ÁRVORE

Quando contemplo em paz teu nobre vulto
Erguido aos céus: envolto em verde manto,
Suponho contemplar um justo,... um santo,...
Um pai,... um Deus,... algum mistério oculto!...
Há não sei bem que força em mim tão forte,
Não sei que grande instinto inabalável
A levar para quanto é belo e estável
Esta alma, para quem só Deus é norte,
Que em ti, oh mãe, em ti achei guarida...
A tua sombra oferece a paz e a esperança
A quem no mundo é triste e em vão se cansa
Para aos céus dirigir a própria vida!...
Quantas vezes em horas de agonia,
Que deixavam meus olhos rasos de água,
Eu não deixei ficar-te aos pés a magoa,
Buscando tua sombra noite e dia?!...
Quantas horas fitando os céus pasmado
Eu não passei, deixando o olhar suspenso
Naquele vasto seio azul e imenso,
Do verde de teus ramos marchetado?!...
De dia, quando o Sol aquece o mundo,
E os entes se propagam, nascem, crescem;
De noite quando os astros resplandecem
Naquelas solidões dum mar sem fundo:
Se á tua sombra estou, sinto nesta alma
Cair da doce cor que o Sol te veste,
Da paz que tens, o bálsamo celeste
Que em meu peito as paixões serena e acalma!...
Ou quando o vento chega, e eu não sei de onde...
E passa sobre ti, murmura e canta,
E eu olho e nada vejo, e a fé mais santa
Me leva a crer no Deus que o mundo esconde;
Ou quando á noite, num propicio agouro,
As estrelas dos céus que mais fulguram
Das pontas dos teus ramos se penduram
Como ideias de Deus em frutos de ouro:
Amo-te muito e muito, e não me admira,
Quando tu á minha alma um Deus revelas
E lhe mandas um hino em que as estrelas
São as notas, e a tua coma a lira!...
Oh arvore! no amor que a Ti me prende,
Confesso ao mundo haver bem mais lucrado,
Que em muito livro de ouro encadernado,
Que ai se espalha e muita gente aprende!...
Se eu vira, como os frutos dos teus ramos,
Dentro desta alma abrir-se a flor da ideia
Á luz deste ideal que em nós se ateia
Para que nós do mal ao bem subamos;
Se ás novas gerações, no meu saltério,
Cantar pudesse a nova luz que assoma,
Como os órgãos da tua verde coma
Lançando a voz de Deus no espaço etéreo;
Se eu fora como tu viver piedoso,
E a qualquer desgraçado e pobre amigo
Oferecer no meu seio o mesmo abrigo,
Que estende sobre o ninho  o ramo umbroso;
Se eu conseguisse, enfim, levar meu dias,
Perante o mal que sempre me acompanha,
Como a arvore sonora da montanha,
Que desencanta ao soprar das ventanias:
Só assim chegaria um dia a ser
O espírito sereno, sábio e justo,
A que deve aspirar, a todo o custo,
O Senhor da Razão, que pensa e quer!

VIII


Á TERRA

Oh Terra, Virgem mãe da Humanidade,
Pelos frutos que dás eu te bendigo!
Cheia de graça e cheia de bondade,
O espírito de Deus seja contigo!
Tu que és do Sol a esposa imaculada,
Que entre perfumes, cânticos e flores,
Passas no azul dos céus, virgem coroada
Com o cândido mimbo dos amores:
Como escuta piedosa a mãe seu filho,
E dele aceita o mais pequeno objecto,
Ouve a harpa desta alma onde dedilho
Por ti um canto de estranhado afecto!
Um canto aonde a própria natureza,
Em cujo seio o astro meu se inspira,
Reflecte o seu conjunto de beleza,
Unindo a eterna voz á voz da lira!
O mar que te circunda a fronte bela,
Que espelha ao longe a luz que o Sol te envia;
Te muda a negra crosta em linda estrela,
E dá-te um canto cheio de harmonia;
E o subtil pingo de água onde escondes-te
De inquietos vibriões um mar profundo,
Tão vasto como a abobada celeste,
Contendo a tantos como os sois do mundo;
A árvore a prumo erguida ao firmamento,
Posta por Deus na paz a mais completa,
Quando, ao passar-lhe o espírito do vento,
Decanta como a harpa dum profeta:
E a semente da flor, qual grão de areia,
Que, inerte, fria, escura e pequenina,
Contém as pompas da divina ideia:
O lyrio branco ou a rosa purpurina;
O leão, implacável criatura,
Quando a vitima arrasta inda arquejante
Tinto de sangue, oferta-a com ternura
Á leoa parida, sua amante:
E a indefesa tímida orelhinha,
Entre as flores gentis do verde prado.
Meiga balando á mãe que se avezinha,
Por dar-lhe o leite doce e perfumado;
A águia quando solta a envergadura
Das largas asas pelo azul do espaço,
E, em marcha triunfal, a enorme altura
Passa nos céus sem luta, e sem cansaço;
E a crisálida que abre á luz do dia
Do invólucro o sedento tesouro,
E, nos enlevos de intima alegria,
Expande á luz do Sol as asas de ouro:
Quanto, enfim, é teu filho a mim me pede,
Que em nome deles eu te louve e cante,
Supondo achar nesta alma o centro, a sede,
O altar, de quanto o Sol lhe põe diante!...
Oh minha mãe! a mágoa me entristece
De que Deus, cujas dadivas divide
Por tanta gente, a mim me não cedesse
Para cantar-te a harpa de David!...
Dos próprios pais e estranhos mal tratado,
Fui pôr-me á tua sombra hospitaleira,
E em teu seio de mãe abençoado
Achei desta alma a pátria verdadeira!
Não sei como surgiu o homem na terra!...
Não sei onde os meus sonhos se dirigem...;
Mas quanto belo e bom minha alma encerra,
Em ti encontra a perenal origem!...
Quer sobre os cumes dos altivos montes,
Quer á sombra dos vales verdejantes;
Quer ouça a meiga voz das claras fontes,
Quer as fúrias das ondas espumantes:
Por onde quer que eu vá, minha alma sente
Cercada tão solicito cuidado,
Que quanto me concebe um dia a mente,
Encontra sempre em ti o objecto amado!...
Por isso, embora eu viva como o paria
Junto ás margens do Ganges cristalino,
Levando vida incerta, rude e varia,
Entre os baldões dum impobro destino:
Vivo entre flores, musicas e festas,
Tendo por luz suprema o pensamento;
Por palácios as murmuras florestas,
E alampadas os sois no firmamento!
Por orquestras as musicas plangentes
Que geme ao longe o mar no cativeiro,
Com os concertos das aves inocentes,
E os murmúrios do límpido ribeiro!
De manhã, com os cristais do fresco orvalho,
Fulgentes cintilando á luz do dia,
Pisam meus pés, riquíssimo trabalho,
Tapetes de preciosa pedraria!
Á tarde, quando o sol deixa as alturas,
Qual Venci, Miguel Angelo ou Ticiano,
Pões-me nos céus esplêndidas figuras,
Como iguais as não tem o Vaticano!...
Á hora em que é dado o sono acoite
Em doce paz meu corpo fatigado,
Desdobras-me sobre ele o véu da noite,
De fúlgidos brilhantes recamado!...
E quando, enfim, entrar na noite fria
Do tumulo, onde nada se condena,
Do meu cadáver tirarás um dia
O branco lírio e a pudica açucena!...
Tais os bens que ofertaste ás almas ternas,
Simples, crentes em Deus, ideal fecundo...!
E dás-lhes nestas coisas sãs e eternas
Bem mais riquezas do que aos reis do mundo!...
E assim vais entre os sois deixando o aroma
Dos inefáveis dons da Providência,
Como exala riquíssima redoma
Em dourado salão a fina essência!...
Oh Terra, Virgem mãe da Humanidade,
Pelos frutos que dás eu te bendigo!
Cheia de graça, e cheia de bondade,
O espírito de Deus seja contigo!

IX


AOS ASTROS!

Quando ergo á noite os olhos cismadores
Á cúpula do céu, cheia de mundos,
E perco-me nos paramos profundos
De um mar sem fim de trémulos fulgores:
O céu, qual templo levantado á Vida,
Armado de riquíssimo tesouro,
De par em par descerra as portas de ouro,
E atrai a si minha alma embevecida!...
Chovem-me então das cálidas alturas,
Das luminosas, cândidas estrelas,
Visões sublimes, ideais e belas
Da Causa que deu o ser ás criaturas!...
Amor as fez, Amor no espaço as guia!...
E é sob o influxo desta Lei Suprema,
Que cada qual realiza o seu problema,
Preso ao das mais em intima harmonia!...
Sim, cada estrela, vê-mos-lo sem custo,
Sendo dos céus belíssimo ornamento,
É um centro de vida e movimento
Posto ao serviço dum principio justo!...
Por todo o etéreo azul da imensidade,
Dos sois sem fim a fúlgida colmeia,
Trabalha em traduzir, na humana ideia,
De Deus a perfeição, toda bondade!...
Oh cúpula celeste, no teu seio
Aprendo a ler em paginas de fogo
O espírito das coisas que interrogo
Por toda a parte, e em cuja essência creio!...
Tu, com o teu dossel azul sem fundo,
Cheio de fogos de alma claridade,
Em múltipla e febril actividade;
Sorris-me como a fabrica do mundo;
O vasto pavilhão onde é servida
Em mesas de ouro, festivais e belas,
Nesses milhões de esplêndidas estrelas,
A eterna comunhão dos Bens da Vida!...
Permite, pois, que em sã fraternidade,
Reunindo os habitantes desta esfera
Aos que ha em ti, minha alma, sã e austera,
Saúde a mãe comum: a Humanidade;
E adore, á luz dos fachos sempre novos,
Do teu santuário, o espírito fecundo
De Deus, Supremo Bem, que ampara o mundo,
Inspira as almas e dirige os Povos!...
E enquanto a vida vai em seu caminho,
Por entre o dia claro e a noite escura,
Conserva intacta esta alma crente e pura,
Porque possa voltar ao pátrio ninho!...
Á luz da minha critica profana,
A Lei Suprema, que de Deus deriva,
Eleva aos sois, em marcha progressiva,
De virtude em virtude a alma humana!...
Se duvidas tivesse, a fé e a esperança
Levavam em contrario a vida minha,
E a bússola, que ignora onde caminha,
Segue o seu norte e dele enfim descansa!...
Astros sem fim, oh sois que estais por cima,
Longe da Terra, em região mais pura!
Deixai que o corpo desça á sepultura
E a vós se eleve o espírito que o anima!
O irmão da Luz, o amante da Verdade,
há-de ir, deixando o invólucro que veste
Como hospede da abobada celeste,
Internar-se feliz na imensidade!...
Astros! igual é a lei que nos governa!
Na Terra, o nosso espírito fecundo
Penetra nos recônditos do mundo,
E vive como vós a Vida Eterna!

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